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Fim de festa no Primeiro Mundo
Que o mundo desenvolvido, ou simplesmente Primeiro Mundo, tem um padrão de riqueza muito maior do que o resto dos países é óbvio. Mas, para entender o que o colapso dos mercados financeiros representa nesta parte do mundo, em termos de estilo de vida, vale a pena lembrar como foi a última década nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha.
Deste lado do Atlântico, por muitos anos tanto o então primeiro-ministro Tony Blair como o então chanceler do Erário, ou ministro das Finanças, Gordon Brown, se gabaram dos números mágicos da economia britânica. Seguidamente os dois citavam dados que pareciam ter sido obtidos num passe de mágica: menores juros em décadas, menor taxa de inflação do Pós-Guerra e menor taxa de desemprego em sabe-se lá quanto tempo. Inflação baixa com juros também baixos? E emprego sobrando? Seria possível? Brown, hoje primeiro-ministro, dizia ter reinventado as leis da economia. Em 2004, um dado assustou o país, apenas para ser rapidamente ignorado: a dívida pessoal dos britânicos, em hipotecas, prestações de carro novo e cartões de crédito, havia ultrapassado 1 trilhão de libras. Quase o total do PIB nacional.
Até pouco tempo atrás, um britânico de classe média, sem nenhum dinheiro guardado e apenas com um emprego mediano, podia levar uma vida bastante confortável. Viajava de avião para a Itália por 1 libra (promoções em tempos de petróleo quase de graça), obtinha uma hipoteca no valor total do imóvel a ser adquirido e acumulava uma dívida de umas 5 mil libras no cartão de crédito. Isso em apenas um dos cartões, porque nada o impedia de ter vários. Tudo conseqüência da varinha de condão de Gordon Brown, que fazia de todo e qualquer cidadão britânico um milionário em potencial. Aqueles que já estavam bem ficaram melhores ainda: no final do ano, a City (centro financeiro de Londres) dava bilhões de libras apenas em bônus aos seus funcionários.
Poucos ousam chamar essa política daquilo a que ela realmente se assemelha: um esquema de pirâmide. Na edição passada da revista New Yorker, Nick Paumgarten não mediu palavras: segundo ele, Wall Street foi pega "em um esquema de pirâmide criado por ela mesma". A alegoria é simples: todo mundo parecia estar ficando "rico", aqui na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, com o dinheiro dos outros. Comprava-se uma casa em Londres por 150 mil libras, e dois ou três anos depois ela já valia 250 mil. O proprietário vendia o imóvel e ou embolsava o lucro ou subia mais um degrau na chamada "property ladder", a escada do mercado imobiliário, adquirindo um imóvel maior e mais caro. Aquele que comprou a casa esperava fazer o mesmo: contava com a valorização do imóvel para que outro cidadão viesse e alimentasse o sistema, adquirindo a sua residência. Enquanto isso, o mercado financeiro usava o dinheiro em circulação para gerar mais riqueza, sem que ninguém soubesse exatamente de onde ela vinha. Como escreveu Paumgarten, sobre o mercado americano: "Foi um período extraordinariamente criativo - um modernismo do dinheiro, com uma equivalente tendência à abstração". Ele acrescenta: "Era o que antropólogos e psicólogos chamam de pensamento mágico - a tendência de acreditar que desejar algo faz com que esse algo aconteça".
No mercado imobiliário, parecia claro que um dia o último da fila olharia para trás e, à espera de um novo comprador, não encontraria ninguém. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos e, conseqüentemente, aqui na Grã-Bretanha. A fonte secou. A conta de mais de dez anos de riqueza crescente finalmente veio, de uma vez só. O mercado mostrou não ter dinheiro para pagar pelos exageros. Como disseram nos últimos dias muitas figuras políticas, entre elas a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi: "A festa acabou". A mágica não funciona mais.
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