Vila Cruzeiro após a ocupação da polícia na quinta-feira (25). Moradores ficaram sem luz e mais de 50 motos foram destruídas pelos blindados da Marinha / Júlio César Guimarães/UOL
No dia seguinte à invasão policial que retomou o território da Vila Cruzeiro das mãos do traficante Fabiano Anastácio da Silva, o FB, a reportagem do UOL Notícias repetiu, caminhando, a rota feita ontem pelos VBTP M113, veículos blindados da Marinha que, com suas metralhadoras calibre .50, assustaram os bandidos e fizeram um arrastão oficial sobre a marginalidade que dava as cartas na comunidade.
As marcas brancas das rodas dentadas afundadas no asfalto denunciavam o trajeto escolhido pelas autoridades para subir o morro. Como os veículos pesam 12 toneladas e são movimentados por engrenagens similares a de um tanque de guerra, as movimentações pela região deixaram uma espécie de rastro pelo pavimento.
Seguindo essa pista, a caminhada da reportagem começou pelo pequeno centro comercial que funciona na entrada da favela. Nessa etapa, o cenário mesclava carros e vans queimadas, efetivos policiais andando de um lado para outro, tudo cercado de muitos entulhos e cinzas, heranças deixadas pelos incêndios criminosos feitos pelos traficantes para impedir o avanço das tropas na quinta-feira.
Nas casas, moradores acuados iluminavam o interior de suas residências com velas e tentam conservar os alimentos com gelo, já que a luz foi cortada depois que cabos foram rompidos pelas labaredas e postes foram derrubados pelos próprios blindados. Das portas e janelas dos imóveis – alguns cravejados de marcas de balas – as famílias observavam o movimento, reclamando especialmente da falta de energia. “Aí, tem que chamar a Light!”, era o refrão.
No geral, no entanto, eles dificilmente deixavam de lado a regra número um em uma comunidade acostumada com o domínio do crime. “Vou dar entrevista? Tá louco? E se eles voltam? Matam a gente 'todinho' [sic]”, resumiu um morador.
Vencidos os primeiros 200 metros do percurso, um grupamento do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) faz uma pequena operação para verificar o que havia dentro de imóveis trancados. Com uma ferramenta que lembra uma enorme tesoura, eles abriam cadeados e reviram casas atrás de artefatos deixados pelos criminosos fugitivos. Apesar da retomada do poder do Estado na favela, os policiais assumem que ainda trabalham com a hipótese de um ou outro bandido estar infiltrado, disfarçado na comunidade.
A subida do morro é íngreme. As ruas vão ficando estreitas e, para quem passa, dá para perceber o porquê da preferência dos traficantes pelo local: das lajes das casas é possível ver toda a entrada do morro – e as ruas, com curvas seguidas, transformam o espaço em um verdadeiro labirinto. Em uma das paredes, um grafite mostra a imagem do jogador Adriano, nascido e criado ali. No muro, estão os dizeres: “Adriano rumo a Copacabana”. Em suas costas, o jogador segura uma latinha de cerveja escondida.
É escondida que a reportagem segue caminho. Depois do início da subida, a escolta da polícia fica para trás. O principal cuidado é sempre andar rente à parede, evitando eventuais balas perdidas. Nesse estágio, outra paisagem surge. Por mais de 200 metros, mais de 50 motos estão pelo chão, jogadas junto à guia da calçada. São motos caras, algumas de corrida, muitas amassadas como latinhas de refrigerante seguindo para reciclagem. “Foi o blindado”, explica um morador.
Como seus quase cinco metros de cumprimento e 2,5 metros de altura, os VBTP M113 abriram caminho à força. As motos, sejam de moradores ou de bandidos, foram as vítimas nesse processo. Como muitas estavam estacionadas junto às residências, foram atropeladas pelos blindados da Marinha. E não adiantava perguntar aos moradores de quem era. Não respondiam.
"Hospital do crime"
Foi então que, ao cruzar outro pelotão do Bope, a reportagem é informada que uma "enfermaria do crime", barraco com macas e medicamentos, tinha sido estourado hoje pela polícia. Segundo o policial que revelou a conquista, o imóvel com a aparelhagem médica ficava na Vacaria, topo do morro, começo das estradas de terra onde, ontem, as imagens dos helicópteros das redes de televisão mostraram o bando de FB em fuga para o complexo do Alemão.
Até lá, a subida ganhava cada vez mais intensidade. Observando motos e mais motos pelo caminho, o UOL Notícias chegou finalmente ao local indicado. Lá, encontrou um grupo de policiais civis dentro de um barraco, onde acabaram de encontrar uma quantia de maconha, além de uma granada. Foram eles que indicaram onde seria a tal Vacaria, espaço em que, entre outras barbaridades, os bandidos queimavam rivais, segundo relatos.
Depois de mais de 40 minutos de caminhada, já no topo onde até quinta-feira (25) apenas traficantes pisavam, a reportagem finalmente chegava ao final de seu trajeto. O mato tomava conta do local. Naquela altura, os rasantes do helicóptero do Bope pareciam ainda mais próximos. Foi então, que, antes de chegar ao pronto-socorro dos traficantes, começam ruídos que lembram tiros.
Os policiais civis pegam as armas e organizam uma equipe para ir averiguar. Os tiros ganham intensidade, com rajadas que duram mais de cinco segundos. Do delegado que chefia os policiais, vem a ordem. “Imprensa, desce”. Descemos.
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