A nova organização militar do Brasil

O general do Exército José Carlos de Nardi assumiu nesta segunda-feira como o primeiro chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Brasil.


O PRIMEIRO CHEFE: O ministro da Defesa, Nelson Jobim (à esq.) acompanha a posse do primeiro chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general do Exército José Carlos de Nardi

O clima quente na disputa eleitoral entre PT e PSDB pela Presidência esconde os pontos em que os dois partidos concordam.  Um dos temas em que há mais consenso é a Defesa, uma questão de Estado que envolve a proteção de patrimônios como a Amazônia, o aquífero Guarani, instalações nucleares e a camada de petróleo do pré-sal.

No fim de agosto, o Congresso aprovou um projeto de lei complementar fazendo modificações na Defesa. Um debate polêmico era esperado, mas o projeto passou com tranqüilidade pela Câmara e pelo Senado. Nesta segunda-feira (6), ocorreu em Brasília uma cerimônia simbólica que marcou o início da chamada “Nova Defesa”.

O general gaúcho José Carlos de Nardi, que estava na reserva, tomou posse nesta segunda como o primeiro Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, um cargo novo que tem como objetivo fazer Aeronáutica, Exército e Marinha trabalharem de forma conjunta, e não mais combinada. A diferença é que no novo formato há um comando único para todas as operações, enquanto no anterior cada parte das Forças Armadas tinha seu comando próprio.

Natural de Farroupilha (RS), o general De Nardi tem 66 anos, foi adido militar do Brasil no Chile e comandante da 6ª Divisão de Exército (Porto Alegre), do Comando Militar do Oeste, em Campo Grande (MS), e do Comando Militar do Sul, em Porto Alegre (RS).

O Chefe do Estado-Maior Conjunto estará na mesma hierarquia dos comandantes de Forças, uma ponto que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez questão de reforçar na cerimônia de posse nesta segunda. “Eles estão na mesma linha hierárquica”, disse Jobim. “Na área de emprego das Forças, a competência é do Estado Maior, e na área de preparo, é dos comandantes”, afirmou.

O projeto de lei complementar que estabeleceu a Nova Defesa era um desejo do ministro Jobim. Em entrevista a ÉPOCA em abril, ele afirmou que buscou o consenso fazendo reuniões com PT, PMDB, DEM e no Instituto Fernando Henrique Cardoso, ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na entrevista, Jobim disse não esperar grandes mudanças no setor de Defesa, seja eleita a petista Dilma Rousseff ou o tucano José Serra.

O projeto levou para o ministro da Defesa, um civil, responsabilidades que estavam sob o comando dos militares, como a escolha dos secretários militares e a formulação da proposta orçamentária, que será feita em conjunto com as Forças. A escolha dos comandantes das Forças e também do chefe do Estado Maior também passará pelo ministro, que indicará nomes ao Presidente da República.

O projeto também estendeu à Aeronáutica e à Marinha o poder de polícia que o Exército já tinha em regiões de fronteira. Até aqui, se um avião da Força Aérea se deparasse com uma aeronave usada para o tráfico de drogas, era obrigada a esperar a ação da Polícia Federal. Agora, poderá efetuar a prisão.

Nelson Jobim: "Com Dilma ou Serra, a defesa não muda"

O ministro da defesa, Nelson Jobim, desfruta uma situação única no governo Lula. Homem de confiança do presidente numa das áreas mais sensíveis da Esplanada, Jobim mantém estreitas relações com o candidato da oposição ao Planalto, José Serra (PSDB).

A dupla militância permite a previsão de que, em assuntos de Defesa, o Brasil manterá as diretrizes atuais caso a eleição seja vencida por Serra ou pela ex-ministra Dilma Rousseff.

“Fiz reuniões com PT, PMDB, DEM e com o ex-presidente Fernando Henrique”, diz Jobim, ao explicar as mudanças na área militar, como a subordinação ao poder civil, aprovadas no Congresso. Nesta entrevista a ÉPOCA, Jobim faz um balanço dos acordos internacionais do país e das medidas para tentar organizar a aviação no Brasil.

ENTREVISTA - NELSON JOBIM


QUEM É
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem 64 anos


A CARREIRA NO EXECUTIVO E NO JUDICIÁRIO
Assumiu o Ministério da Defesa em julho de 2007. Antes, foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso e presidente do Supremo Tribunal Federal

A CARREIRA NO CONGRESSO
Foi deputado federal entre 1987 e 1995. Exerceu as funções de sub-relator da Assembleia Nacional Constituinte, de líder do PMDB na Câmara e de relator da Revisão Constitucional em 1993

ÉPOCA – Como vai ficar a defesa nacional do Brasil no futuro?
Nelson Jobim – Os políticos e os governos civis viam a defesa com certa distância. Na época da Constituinte, a defesa se confundia com repressão política. Com isso, militares tinham de tomar certas decisões que, a rigor, eram decisões de governo civil. Exemplo: quais as hipóteses de emprego (das Forças Armadas) que politicamente interessam ao país? Isso é um misto de política internacional com defesa. Cabe ao poder civil definir o que os militares devem fazer em termos de defesa. Os militares decidem a parte operacional.

ÉPOCA – Isso aconteceu no governo Lula?
Jobim – Tudo é um processo. Não acontece assim, bum! Começou no governo Fernando Henrique, com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, nas condições possíveis naquele momento. No governo Lula, avançou-se um pouco no início, com o ministro Viegas (José Viegas, primeiro ministro da Defesa de Lula). Os avanços mais doutrinários são consolidados pelo vice-presidente (José Alencar) que o sucedeu e, depois, pelo Waldir Pires. Quando assumi, decidi que precisávamos realizar uma mudança de concepção para dar mais musculatura ao Ministério da Defesa.

ÉPOCA – Como assim?
Jobim – O orçamento, por exemplo. Antes, as Forças (Marinha, Exército e Aeronáutica) se acertavam entre si dentro do limite fixado pelo Ministério do Planejamento. O ministro (da Defesa) não tinha participação. Também foi aprovado na Câmara o projeto de alteração da Lei Complementar nº 97. O Estado-Maior de Defesa passa a ser o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Será chefiado por um oficial de quatro estrelas escolhido pelo presidente, indicado pelo ministro da Defesa. Vai ter a mesma precedência dos comandantes de Força. Ao assumir, vai para a reserva. Hoje, ele volta para a Força de origem.

ÉPOCA – Qual é o problema?
Jobim – Dá constrangimentos. Às vezes, precisa tomar decisão contrária ao interesse da Força de origem e tem dificuldade. Outra mudança é na política de compras, que hoje é fixada pelas Forças, mas será fixada pelo ministério em função do que o poder civil considera relevante. Precisamos de monitoramento e controle, mobilidade e presença. O monitoramento deve ser feito, por satélite, na Amazônia Legal e na Plataforma Continental, onde o Brasil tem soberania.


ÉPOCA – São planos de longo prazo?
Jobim – Ah, uns 20 anos...

ÉPOCA – O senhor, então, não espera grandes mudanças se o próximo presidente for Dilma Rousseff ou José Serra?
Jobim – Eu não espero.

ÉPOCA – A Defesa está acima das questões políticas?
Jobim – Tudo que estou falando foi discutido com todos os partidos. Fiz reuniões com o PT, o PMDB e com o DEM. Fui ao Instituto Fernando Henrique Cardoso. Estava cheio de gente lá, todos os ministros dele, todos meus colegas, e várias outras pessoas, intelectuais também.

ÉPOCA – Não há ideologia nessa área?
Jobim – Eu quis descolar, mostrar que não é um programa do governo. É um programa do Estado.

ÉPOCA – O que mais mudou?
Jobim – Tem uma mudança doutrinária. Saímos do conceito de operações combinadas para o conceito de operações conjuntas. Na combinada, cada Força tem seu comando próprio. Na conjunta, tem um comando só para as três Forças. O comandante da operação vai depender do teatro de operações. Se for a Amazônia, o comandante da operação vai ser do Exército. Se for no mar, vai ser um almirante.

ÉPOCA – O que, de fato, interessa ao Brasil em termos de defesa?
Jobim – O Brasil não é um país com pretensões territoriais, não vamos atacar ninguém. Então, devemos ter um poder dissuasório. Temos três coisas fundamentais. Uma é energia, que tem o pré-sal e também energia alternativa, energia limpa, entre elas a energia nuclear. Segundo, o Brasil tem as maiores reservas de água potável do mundo: a Amazônia e o Aquífero Guarani. E, terceiro, temos a maior produção de grãos. São coisas que, progressivamente, o mundo vai demandar mais.


Fonte: Época/Eumano Silva

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