Um relatório escrito em 2004 e divulgado nesta segunda-feira afirma que agentes da CIA (agência de inteligência americana) cometeram uma série de práticas "improvisadas não autorizadas e desumanas" contra suspeitos de terrorismo presos no Iraque e no Afeganistão. Os abusos contra os prisioneiros, já conhecidos pela administração americana, levaram o secretário de Justiça e procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, a abrir investigação preliminar sobre as denúncias.
Os agentes, afirma o relatório, ameaçaram Khaled Sheikh Mohammed, considerado cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001, de matar seus filhos se ele não falasse durante as sessões de interrogatórios a que foi submetido, segundo o relatório interno da Central de Informação Americana.
Veja o relatório em inglês no site do jornal "Washington Post"
Página do relatório da CIA aparece com grande trecho censurado; o relatório denuncia uso de técnicas de tortura
O relatório examina o tratamento dos suspeitos de terrorismo durante a guerra iniciada pelo republicano George W. Bush após os ataques de 2001. O documento foi divulgado à imprensa por ordem de um juiz de Nova York, em resposta a um processo apresentado pela União Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).
Os interrogatórios supostamente aconteceram em prisões secretas da CIA antes de 2006, quando o presidente Bush decidiu mandar todos os presos por terrorismo para a base de Guantánamo, em Cuba.
"Um agente mais antigo detalhou que os interrogadores ameaçaram Khaled Sheikh Mohammed com as seguintes palavras: (...) "qualquer outra coisa que acontecer aos Estados Unidos, mataremos seus filhos"", assegurou o inspector-geral da CIA neste relatório que tem páginas inteiras censuradas.
O documento reproduz, além disso, as condições em que um outro dirigente da rede terrorista Al Qaeda, Abdel Rahim Al Nachiri, principal suspeito do atentado contra o navio americano USS Cole em outubro de 2000 no Iêmen, foi interrogado.
Al Nachiri foi ameaçado primeiro com um revólver apontado para sua cabeça e, depois, com uma furadeira elétrica, também virada para sua cabeça. "O interrogador entrou na cela e ligou a furadeira para amedrontar o detido que estava nu, com a cabeça coberta por um capuz", explicou o inspector-geral, precisando que a furadeira jamais foi usada.
Uma outra vez, um tradutor reproduziu para ele a frase: "poderemos trazer sua mãe aqui e toda a sua família" em um dialeto árabe, com um tom e uma acentuação particulares. Tratava-se, segundo o relatório, de atiçar os temores de Al Nachiri nos boatos que corriam na época no Oriente Médio segundo a qual entre as técnicas de interrogatório estavam os estupros das mulheres e de demais membros das famílias na frente dos detidos.
Julgamento
Secretário de Justiça, Eric Holder, abriu investigação contra a CIA/Pablo Martinez Monsivais/AP
Holder contrariou os conselhos do presidente Barack Obama e decidiu abrir formalmente investigação preliminar sobre as denúncias de abusos. Ele confirmou a nomeação do promotor John Durham para liderar a investigação --uma medida com altos riscos políticos que o presidente tentava evitar com discurso insistente de que não se deve revirar o passado.
"Concluí que a informação disponível justifica a abertura de uma investigação preliminar sobre se violaram as leis relacionadas com os interrogatórios de determinados presos em localidades no exterior", afirmou Holder, em um comunicado.
O secretário de Justiça ressalta ainda que sabe que sua decisão será considerada controversa. A Casa Branca evitou declarar apoio ou rejeição claros ao processo e afirmou que Obama coloca a decisão nas mãos de Holder, "um secretário de Justiça muito independente".
Holder confirmou ainda a nomeação do promotor Durham, um funcionário de carreira com experiência em denúncias de abusos contra agentes da CIA, como responsável pela investigação e para decidir se as evidências a justificam. A informação havia sido antecipada pelo jornal "Washington Post" e pela agência de notícias Associated Press.
A missão de Durham, segundo as fontes citadas pelo "Post", será descobrir se há evidência suficiente para lançar uma investigação criminal contra ex e atuais funcionários da CIA que violaram a lei ao usar métodos questionáveis em seus interrogatórios.
Segundo o "Post", a escolha de Durham foi, em parte, porque sua carreira como promotor inclui conhecimento profundo da CIA e seus métodos de interrogatório. Por quase dois anos, Durham investiga se as leis contra obstrução de justiça e falsos testemunhos foram violadas com a destruição, em 2005, de várias fitas da agência.
As fitas mostrariam cenas brutais de interrogatórios com métodos como o afogamento simulado --prática que Bush defendeu inúmeras vezes como legal. Este inquérito decorrerá a um júri, em Alexandria, embora os advogados tenham dúvidas se ele irá resultar em acusação criminal.
O relatório da CIA indica ainda que os agentes envolvidos com os abusos sabiam dos riscos de um processo por crimes de guerra e um deles chegou a ressaltar temores de que as práticas vazassem na imprensa.
"Daqui a dez anos nós vamos sentir muito por ter feito isso. Mas precisa ser feito", diz um dos interrogadores citados pelo relatório.
Fontes: FOLHA - AP- Agências
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