David M. Smick analisa as consequências da crise econômica mundial.
Para autor, redução das exportações afetará o crescimento chinês.
O americano David M. Smick, autor de 'O Mundo é Curvo'
Lançado no “pico” da crise mundial, "O Mundo é Curvo" (Best Seller, R$ 39,90), livro do estrategista financeiro norte-americano David M. Smick, tornou-se uma espécie de obra complementar ao “clássico” sobre globalização "O Mundo é Plano", de Thomas Friedman, colunista do “The New York Times” e vencedor do Prêmio Pulitzer.
Friedman argumentava que a globalização desafiou os conceitos de tempo e espaço antes estabelecidos, facilitando a contato entre pólos produtivos e de consumo localizados em cantos distantes do planeta. Além de ser um fenômeno econômico, a globalização facilitou que o tempo de “viagem” da informação fosse reduzido. Em outras palavras, o mundo ficou mais plano.
Apesar de reconhecer aspectos benéficos da globalização, como a redução da pobreza, Smick questiona a transparência da economia internacional. Em entrevista , ele defendeu que a crise financeira mostrou que, mesmo em uma economia globalizada, nem tudo o que se vê (ou se fala) reflete realmente a realidade. A informação pode estar disponível, mas o caminho para que ela chegue às pessoas muitas vezes é curvo.
Dentro deste conceito, o estrategista vê com preocupação a economia chinesa e arrisca dizer que o país pode ser a próxima “bolha” a estourar na economia mundial. "A China exporta 42% do PIB. Uma boa parte do comércio chinês está ligada ao consumo americano. Como a China pode substituir para a perda de seu mercado de exportações na forma de uma sociedade de consumo?”, questiona o autor.
Quanto aos bancos, ele diz que uma regulação mais forte não necessariamente eliminará riscos. “Há, nos EUA, um sistema de forte regulação dos bancos, começando pelo Federal Reserve. A questão é: pode um funcionário público pensar tão rápido quanto um mago de Wall Street e seu advogado?”, diz Smick. “Os magos de Wall Street vão sempre encontrar uma brecha para fazer o que querem."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista do G1 com David M. Smick:
A próxima 'bolha'
Capa de 'O Mundo é Curvo', já disponível nas livrarias do Brasil
Nem todos os países Bric (grupos de países em desenvolvimento formado por Brasil, Rússia, Índia e China) são iguais. O Brasil está bem posicionado para enfrentar a crise financeira.
Eu acompanho muito a China. Existe muito medo de que o crescimento não corresponda às expectativas dos líderes do país. Há muito pouca análise da economia chinesa. Todos os dados, incluindo o ritmo de crescimento, são fornecidos pelo governo.
Eu não necessariamente acredito nesses números. Nos primeiros seis meses de 2009, a China fez empréstimos equivalentes de 50% de seu PIB, o que é uma enorme quantidade de dinheiro. A piada é se você é um cocker spaniel, um cachorro, com boas conexões você consegue um empréstimo.
Eles estão jogando o dinheiro na economia. É por isso que hoje entre 80% e 85% do PIB do país são atribuídos ao gasto governamental. O governo está comprando ações e commodities para se proteger da inflação. A questão é: isso é uma bolha? Nós estamos vendo a próxima grande bolha, que é a bolha da China?
Deficiências da China
A China exporta 42% do PIB. Uma boa parte do comércio chinês está ligada ao consumo americano. Como a China pode substituir para a perda de seu mercado de exportações na forma de uma sociedade de consumo? Isso pode acontecer, mas talvez em dez anos. Como você faz isso da noite para o dia?
A China não tem sistema de seguridade social, uma rede de proteção social. As pessoas estão ficando mais velhas, estão com medo do futuro. (O governo) está colocando o dinheiro no mercado e diz que está tudo ótimo. Eu interpreto que tudo o que os oficiais chineses dizem quando vêm a Washington não é direcionado aos americanos, mas sim aos chineses, sobre como todo está fantástico, como o país está no topo.
Eu não entendo como um país que tem quase 50% de seu PIB ligado às exportações diz que está tudo maravilhoso mesmo depois do colapso das exportações.
Dependência das exportações
Boa parte do planeta se tornou muito dependente das exportações. Se você olha a China, as exportações são 42% do PIB (Produto Interno Bruto); na Alemanha, são 46%; na Coréia do Sul, são 47%; na Indonésia, são 73%.
Com a queda do Muro do Berlim, nos anos 90, houve uma emergência de vários novos mercados na Europa Oriental, combinada com a China. Preocupadas com as vendas externas, muitas economias não desenvolveram sua demanda doméstica. Por isso, tornaram-se muito dependentes do consumo americano, o que foi um erro de cálculo.
Ao mesmo tempo, iniciou-se a liberalização das finanças, que criou um oceano global de dinheiro. Nós não conseguimos gerenciar esse oceano de capital, não havia uma instituição para fazer isso. E os bancos tiraram vantagem, tirando coisas fora do balanço, de forma pouco transparente. Se não fosse a questão do subprime (empréstimos imobiliários feitos a clientes de "alto risco" nos EUA), a (crise) seria iniciada por algum outro segmento.
Consumo americano
O padrão vai mudar. O nível de reservas, sem contar o aumento do valor das residências, chegou a zero há alguns anos. Agora, as reservas nos EUA devem chegar a 10%. A restrição de crédito nos bancos e a tendência de aumento das reservas nos EUA são uma receita para um consumo bastante fraco.
Vai haver uma recuperação no segundo semestre, mas não se sabe se ela vai ser duradoura. E não existe nada o que o governo possa fazer, a não ser que eles venham com um novo grande pacote de estímulo, o que não vai ser fácil de ocorrer. Eu não estou tão otimista quanto outras pessoas sobre essa recuperação."
Regulação dos bancos
Nos Estados Unidos, as instituições que tinham maior nível de regulação foram as que tiveram maiores problemas. As instituições menos reguladas, como os fundos de hedge, foram relativamente menos afetadas. Há, nos EUA, um sistema de forte regulação dos bancos, começando pelo Federal Reserve.
A questão é: pode um funcionário público pensar tão rápido quanto um mago de Wall Street e seu advogado? Um analista do FCC (órgão do governo americano) recebe hoje US$ 190 mil por ano. Há secretárias no Goldman Sachs que ganham US$ 200 mil; há executivos júnior que recebem US$ 1 milhão por ano.
E um executivo do Goldman Sachs me disse que, se ele identificar um funcionário público brilhante, irá contratá-lo. Eu sou agnóstico. Não quero saber se os reguladores são espertos. Os magos de Wall Street vão sempre encontrar uma brecha para fazer o que querem.
Novas instituições
O modelo tem que ser público-privado, pois você encoraja que o setor público vigie o setor privado, e vice-versa. Atualmente, os bancos não confiam uns nos outros. Por isso, é preciso que eles se vigiem. Não dá para confiar apenas nos reguladores do banco central, pois eles não vão conseguir entender (as operações feitas pelos bancos).
(Numa instituição público-privada), os bancos também colocariam dinheiro. (Assim), se você está sentado na mesa e acredita que um outro banco está tomando muitos riscos, pode dizer ou denunciar para o Banco Central. Existiria também um maior senso comunitário, pois ninguém quer que o sistema entre em colapso.
Transparência do setor bancário
Eu acho que o sistema está menos transparente agora. Quando existe intervenção governamental, formam-se dois grupos: os insiders e os outsiders. Os insiders sabem o que está acontecendo e têm os relacionamentos. O sistema está menos transparente, os bancos estão submetidos a decisões políticas. Isso me deixa nervoso.
Estamos em uma era de alternativas imperfeitas. Nós temos a alternativa de deixar o mercado decidir, o que nem sempre é perfeito. Mas a opção atual traz mais confusão e menos transparência, pois é quase impossível não se politizar (a discussão) quando as decisões de quem ganha e de quem perde são do governo.
Fonte: G1
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