Concepção artística da superfície de Plutão
Um desavisado que comparecer à Assembleia Geral da IAU (União Astronômica Internacional) pode achar que está dentro de uma cúpula de diplomatas. Ao ver uma multidão de senhores com olhar sóbrio erguendo e abaixando papéis coloridos durante as votações na plenária, tem-se a impressão de que o que está sendo decidido lá é a legalidade de uma guerra ou o reconhecimento de um país independente. O escopo legal do encontro, porém, é muito maior: ele determina o destino de planetas inteiros.
Três anos depois do rebaixamento de Plutão --que agora pertence à categoria de planeta-anão--, muitos acreditavam que a sanha dos astrônomos por cassar o mandato de corpos celestiais tinha acabado.
Em vez disso, a ameaça se ampliou. Agora há planetas fora do Sistema Solar e até cometas sob risco de serem depostos.
Não é para já. A votação da última quinta-feira, que encerrou um encontro de duas semanas no Rio de Janeiro, arbitrou apenas valores das chamadas "constantes". Eram coisas mais técnicas, como a margem de erro padrão a ser adotada para medir a distância da Terra ao centro da galáxia. Em grupos de discussão mais restritos, porém, houve clima de tensão no ar.
Com o avanço das técnicas de observação, nos últimos 15 anos astrônomos descobriram cerca de 350 planetas fora do Sistema Solar, e muitos deles correm risco de serem depostos na próxima edição da assembleia trienal da IAU.
Alan Boss, astrofísico da Instituição Carnegie de Washington (EUA), explica que, para ser considerado planeta, um objeto não pode ter massa maior que 13 vezes a de Júpiter. Acima disso, a gravidade começa a fundir deutério (forma pesada do hidrogênio) no núcleo desse corpo maciço, que começa a emitir radiação. Torna-se aquilo que os cientistas chamam de anã-marrom- um objeto no meio do caminho entre estrela e planeta.
"O problema é que, a partir de um momento, pessoas começaram a achar objetos de massa comparável à de Júpiter, mas que não estavam orbitando estrelas", diz Boss, encarregado pela IAU de coordenar os esforços de consenso. "Alguns queriam chamar essas coisas de planetas, mas nós apontamos que quem quiser ser um planeta precisa pelo menos estar orbitando uma estrela."
Esses objetos, que poderiam receber o simpático nome de planetas solitários, passaram então a ser chamados de sub-anãs-marrons. Aconteceu por votação, numa assembleia da IAU de 2003.
"Ficamos numa situação estranha. Pode haver dois objetos orbitando uma estrela, um com massa de 12 jupíteres e outro com massa de 14 jupíteres. Ambos se formaram da mesma maneira, mas um é planeta e outro é anã-marrom."
No próximo encontro da IAU, em 2012, o assunto pode ir a votação também porque não foi determinado um limite mínimo para planetas extrassolares. Astrônomos acreditavam que poderiam derivá-la da definição de planeta solar, mas o rebaixamento de Plutão -pequeno demais e cheio de "companheiros" anões em sua órbita- bagunçou o coreto.
Daniela Lazzaro, do Observatório Nacional, diz que não está preocupada, como coordenadora do encontro da IAU no Rio. Nem ela nem ninguém pareceu se incomodar com a presença de alguns defensores do ex-planeta na plenária.
Caixinhas
"A astronomia tem a mania de criar caixinhas e querer colocar as coisas nelas, mas, se tentamos arranjar caixinhas para tudo, começamos a incorrer em problemas", diz. "É só uma questão de semântica. Estudar Plutão chamando-o de planeta ou de planeta-anão não faz a menor diferença."
É justamente por isso, contudo, que agora há também um grupo de cometas sob risco de serem rebaixados para asteroides. Apesar de exibirem caudas vaporosas, os corpos celestiais em questão não têm órbitas alongadas como as dos cometas e nem tanta água quanto estes em sua composição.
Javier Licandro, do Instituto de Astrofísica das Canárias (Espanha), questionou em uma palestra no encontro da IAU se esses objetos, que estão no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, devem mesmo ser chamados de cometas.
"Mas o que é importante não é dizer se eles são asteroides ou cometas. O importante é saber a natureza deles", diz Licandro. "Entender como esses objetos se formaram pode ajudar na compreensão de por que a Terra tem tanta água."
Na opinião do cientista que mais contribuiu para o rebaixamento de Plutão, há boas razões para discutir nomes. "Não acho que seja uma questão semântica tola" diz Michael Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Descobridor de Eris, um corpo celestial pequeno, mas maior que Plutão, ele tornou inevitável a redefinição de planeta.
"A classificação conduz à compreensão", diz. "As pessoas em geral não têm a consciência de que o Sistema Solar são oito planetas grandes e depois um monte de outras coisas menores. Mas é o que ele é."
Brown dá risada quando se lembra de uma surreal decisão do Senado de Illinois, onde nasceu Clyde Tombaugh, o descobridor de Plutão. Os legisladores determinaram neste ano que, dentro daquele Estado americano, Plutão deve ser considerado planeta.
"Se for para resolver as coisas assim", diz Brown, "vou pedir aos senadores da Califórnia que promovam Eris a planeta".
Fonte: FOLHA/RAFAEL GARCIA
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