Gentilmente, a Groenlândia afrouxa os laços do domínio dinamarquês

Território de 58 mil moradores e dois semáforos prepara independência. Saiba como os groenlandeses enfrentam uma era de esperança e medo.

O problema de ser da Groenlândia, segundo Gudmundsdottir Johnsen, é que muitos estrangeiros parecem não ter a menor ideia de onde fica o país.

"Eles dizem: 'Meu Deus, Groenlândia?' É como se nunca tivessem nem ouvido falar", disse Johnsen, de 36 anos, nascida na Islândia, mas que há 25 anos mora nessa ilha enorme e em grande parte congelada. "Tenho que explicar: 'Esse é o mapa. Aqui é a Europa. A coisa grande e branca é a Groenlândia."

No entanto, a Groenlândia, com 58 mil habitantes e somente dois semáforos, ambos aqui na capital, está agora garantindo seu lugar no mundo. No dia 21 de junho, em meio uma cerimônia solene e comemorações eufóricas, o país entrou festivamente em uma nova era de autogovernança que prepara o terreno para uma eventual independência da Dinamarca, administrador do território desde 1721.


Multidão espera pela chegada da Rainha da Dinamarca, Margrethe II, em Nuuk, na Groenlândia, em 21 de junho. (Foto: The New York Times)

A atitude, que permite à Groenlândia gradualmente tomar responsabilidade sobre áreas como Justiça Criminal e exploração de petróleo, segue-se a um referendo, ocorrido no ano passado, no qual 76% dos eleitores afirmaram o desejo de se autogovernar. Muitas das mudanças são profundamente simbólicas. O kalaallisut, dialeto inuíte tradicional, é hoje a língua oficial do país. Além disso, os groenlandeses são reconhecidos por leis internacionais como um povo separado dos dinamarqueses.

De maneira empolgante, o governo groenlandês agora se chama pelo nome inuíte, Naalakkersuisut – primeira vez na história, dizem oficiais, que a palavra foi usada em um documento do governo dinamarquês.

"É uma nova relação, baseada em igualdade", disse o novo e carismático primeiro-ministro da Groenlândia, Kuupik Kleist, referindo-se ao equilíbrio de poder entre seu país e a Dinamarca.

Ele comparou a situação a um casamento no qual a mulher mandava no marido acovardado. "De hoje em diante", disse ele, "o homem da casa tem tanta voz quanto a mulher".

Esperança e medo

No entanto, esta é uma época delicada, cheia de esperança e medo na mesma medida. Poucos groenlandeses se formam na faculdade. O país tem inúmeros problemas sociais, como alcoolismo, desemprego e violência doméstica. Melhorias em infraestrutura são caras e extremamente necessárias em um lugar onde as pessoas viajam de barco ou avião, pois não existem rodovias interligando as cidades, por exemplo.

Enquanto isso, o aquecimento global está derretendo rapidamente a grande camada de gelo que cobre 80% dos 2.175 milhões de quilômetros quadrados da Groenlândia. Apesar de destruir meios de subsistências tradicionais de caça, isso também traz novas oportunidades para explorar o que seriam vastas reservas de petróleo e minerais bem no fundo da superfície groenlandesa e nas águas ao redor.

Segundo o acordo de autogovernança, a Groenlândia receberá metade de qualquer receita obtida com petróleo e minerais. A outra metade irá para a Dinamarca, a ser deduzida da concessão de 3,4 milhões de kronor, ou US$ 637 milhões, feita à Groenlândia todos os anos. A esperança é que, eventualmente, o subsídio possa ser interrompido de uma vez e a Groenlândia possa estar pronta para a independência.

O prospecto dos benefícios da Groenlândia com o que pode ser um negócio de petróleo e mineral bastante lucrativo levanta uma questão óbvia: Qual é a vantagem para a Dinamarca?

"Não se trata de dinheiro", disse em entrevista o primeiro-ministro dinamarquês, Lars Lokke Rasmussen. "É uma questão de respeito ao povo da Groenlância e de lhes dar o direito de decidir seu próprio destino."

O direito à autodeterminação, particularmente para povos indígenas como os inuítes da Groenlândia, mais conhecidos como esquimós, foi um tema recorrente no último final de semana. Dois visitantes com vestes exóticas, do parlamento lapão norueguês, representante dos pastores de rena do país, apareceram em uma exposição de negócios aqui, no último sábado, maravilhados com as conquistas dos groenlandeses.

"Eles estão muitos passos à frente de nós", disse Marianne Balto, vice-presidente do parlamento. "Isso traz esperanças ao povo lapão".

O presidente da Islândia, Olafur Ragnar Grimsson, também esteve lá, observando tudo de outra perspectiva. Ele recordou como seu próprio país acabou com centenas de anos de dominação dinamarquesa com a independência de 1944.

Bent Liisberg, advogado da Noruega, país dominado por centenas de anos pelos dinamarqueses, depois pelos suecos, tinha a mesma perspectiva. No dia 21 de junho, ele carregava uma mochila na qual se via uma pequena bandeira da Groenlândia, seu desenho em vermelho e branco representando o mar, o céu e o sol. "É um ótimo dia para pequenas nações", disse ele.

Nuuk é uma cidade curiosa, onde casas de madeira antigas, de cores vivas, construídas pelos colonos dinamarqueses originais, coexistem com fileiras intermináveis de edifícios de apartamento achatados, quase soviéticos em sua falta de alma. Seu porto é incrivelmente charmoso e sua visão é estonteante. O centro da cidade é mantido de forma indiferente e praticamente paralisado pelo congestionamento do trânsito às 8h da manhã, todos os dias, quando a jornada de trabalho começa.

A cidade tem 15 mil residentes. Muitos pareciam estar fora de casa às 7h30, quando se iniciou a procissão em direção ao porto para as celebrações do autogoverno. Havia nevado no dia anterior – uma sensação estranha, em uma época do ano quando praticamente não existe escuridão. Porém, no dia 21 de junho, o sol se iluminou, claro e quente, sobre as águas.

Representantes de 17 países e territórios. Até mesmo os Estados Unidos e as Ilhas Feroé (também dominadas pela Dinamarca) estiveram lá. A Rainha Margrethe II, da Dinamarca, usando uma roupa esquimó tradicional, que incluía shorts feitos de pele de foca e uma manta decorada com contas, solenemente entregou o documento oficial de autogoverno ao presidente do parlamento groenlandês.

Funcionários da logística do novo governo usavam jaquetas com a bandeira da Groenlândia em uma manga e a palavra "namminersorneq", que significa autogoverno, impressa na parte de trás.

Para os groenlandeses, que podem se sentir como cidadãos de segunda linha na Dinamarca, o novo acordo reforça um orgulho nacional que eles praticamente não sabiam que tinham.

"Não é nada que vamos sentir no dia a dia, mas o valor simbólico disso dá muito mais confiança às pessoas", disse Peter Lovstrom, 28 anos, que trabalha no museu nacional de arte, em Nuuk.

Ele afirmou ser impossível sentir rancor em relação aos dinamarqueses, devido ao relacionamento e as ligações entre os dois países.

"Nós nos damos bem. Temos que nos dar bem", disse Lovstrom. "Mas, agora, me sinto mais groenlandês".


A bandeira do novo país.

Fontes: G1- BGA

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