No Cairo, Obama pede aliança entre EUA e o mundo islâmico

Em discurso histórico, presidente cita o Corão e afirma que ciclo de desconfiança e discórdia deve terminar


Discurso do presidente americano é ‘ponto alto’ de visita ao Oriente Médio

CAIRO - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu por um "novo começo" das relações entre os EUA e o mundo muçulmano nesta quinta-feira, 4, durante esperado discurso no Egito, onde afirmou ainda que juntos, ambos podem enfrentar a violência do extremismo por todo o mundo e avançar na busca pela paz no Oriente Médio. Citando os três livros sagrados da região, o Corão, a Torá e a Bíblia, ele pediu um futuro de "interesse mútuo e respeito mútuo".

"Venho aqui para buscar um novo começo entre os Estados Unidos e os muçulmanos em todo o mundo; um começo baseado em interesses e respeito mútuos; um começo baseado na verdade de que os Estados Unidos e o Islã não são únicos; e de que não precisam competir entre si. Pelo contrário, eles se sobrepõem e dividem princípios comuns - princípios de Justiça e progresso, tolerância e dignidade de todos os seres humanos", afirmou. "Enquanto nossas relações são definidas pelas nossas diferenças, daremos poder aos que semeiam o ódio antes da paz, aos que promovem o conflito em vez da cooperação", afirmou Obama na Universidade do Cairo. "Este ciclo de desconfiança e discórdia deve terminar".

Seu discurso na capital egípcia já era esperado como o ponto alto de seu giro pelo Oriente Médio, que tem o objetivo de tentar reduzir as tensões entre seu país e os países árabes ou islâmicos. Obama afirmou que os Estados Unidos "não estão nem nunca estarão" em guerra contra o Islã, mas advertiu que seu país fará de tudo para enfrentar extremistas que representem uma ameaça à segurança do país.

Obama disse que as tensões que marcam as atuais relações entre os Estados Unidos e os muçulmanos em todo o mundo "estão enraizadas em forças históricos que vão além de qualquer debate político atual" e que são exploradas por uma minoria de muçulmanos extremistas.O presidente americano citou os ataques de 11 de setembro de 2001 como um exemplo da exploração dessas tensões e diz que ela somente trouxe mais medo e desconfiança.

Citando um trecho do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, o presidente americano declarou reconhecer que não é possível haver uma mudança nas relações do dia para a noite, mas prometeu fazer esforços para o diálogo e o respeito mútuo. Segundo ele, sua convicção de que os Estados Unidos e o mundo islâmico podem viver em harmonia advém de sua experiência pessoal, como descendente de uma família queniana que incluía gerações de muçulmanos, além de ter passado parte da infância na Indonésia, o maior país islâmico do mundo.

Obama afirmou ver como parte de suas responsabilidades como presidente dos Estados Unidos "a luta contra estereótipos negativos do Islã em qualquer lugar onde eles apareçam", mas advertiu de que "os mesmos princípios devem ser aplicados para as percepções dos muçulmanos sobre os Estados Unidos". O presidente americano comentou que durante sua passagem pela Turquia deixou claro que "os Estados Unidos não estão - nem nunca estarão - em guerra contra o Islã", mas que o país confrontará sem descanso "os extremistas que representam uma ameaça grave à nossa própria segurança". Segundo Obama, o extremismo explorou a tensão entre o mundo muçulmano e o Ocidente, e o Islã não é parte do problema, mas da busca pela paz.

O líder advertiu que os EUA "nunca tolerarão" a violência extremista, citando os atentados de 11 de setembro de 2001. Porém admitiu que o país seguiu um caminho errado, com suas duras táticas para combater o terror. "O quanto antes os extremistas estejam isolados e malvistos nas comunidades muçulmanas, o mais rápido estaremos todos mais seguros", previu.

Falando aos jovens muçulmanos, Obama admitiu que há dificuldades para a aproximação, mas se mostrou esperançoso. "Há muito a temer, muita desconfiança. Porém se nós escolhermos ser guiados pelo passado, nunca avançaremos". Obama também propôs uma série de iniciativas para promover saúde, educação e investimento em comunidades muçulmanas. Obama fez também uma chamada aos países muçulmanos para um maior respeito aos direitos humanos e, precisamente, aos direitos da mulher.

Obama também lembrou seu compromisso de retirar as tropas americanas do Iraque até 2011 e sua nova estratégia para o Afeganistão, onde disse que sua intenção não é manter tropas eternamente. O líder norte-americano disse ainda que o Irã tem o direito de utilizar energia nuclear para fins pacíficos, de acordo com os tratados internacionais.

Reaproximação com o Irã

O presidente também renovou sua oferta de diálogo com os iranianos. "Será difícil superar décadas de desconfiança, porém procederemos com coragem, retidão e decisão", garantiu. "Mas está claro para todos que, em relação a armas nucleares, nós chegamos a um ponto crucial", avaliou. "Não é simplesmente sobre os interesses da América. É sobre evitar uma corrida de armas nucleares no Oriente Médio, que poderia levar essa região e o mundo para um caminho bastante perigoso".

Washington rompeu sua relação com O Irã em 1979, ano da Revolução Iraniana e da invasão à embaixada norte-americana em Teerã. Em março, Obama enviou um vídeo aos iranianos, propondo um novo início nas relações bilaterais. O principal ponto de discórdia dos países atualmente é o programa nuclear iraniano. Os EUA suspeitam que o país tenha a intenção de produzir armas nucleares, porém o governo iraniano garante ter apenas fins pacíficos, como a produção de energia.

Israel e palestinos

No que pode ser um momento decisivo de sua presidência, Obama falou no Cairo sobre mudanças na política norte-americana para o Oriente Médio, com a intenção de evitar a desconfiança mútua, defendendo a criação de um Estado palestino. Na Universidade do Cairo, Obama ressaltou a aliança entre os EUA e Israel, incontornável segundo ele, e rejeitou como "ignorantes" os que negam o Holocausto.

Porém em uma ruptura clara com seu antecessor, George W. Bush, Obama também criticou a recusa do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em parar de expandir os assentamentos judaicos na Cisjordânia. Os palestinos são contrários a essa expansão pois querem essas terras como parte de seu futuro Estado independente.

Discurso de Obama é um 'bom começo', diz porta-voz palestino

O discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao mundo muçulmano nesta quinta-feira, 4, foi um "bom começo" para uma nova política norte-americana no Oriente Médio, disse um porta-voz do presidente da Palestina, Mahmoud Abbas. O Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza e não reconhece Israel, avaliou o discurso como mostra de uma "mudança palpável" na política externa norte-americana, porém também notou contradições.

"Seu pedido para interromper a colonização e para a fundação do Estado Palestino e referência ao sofrimento dos palestinos... é uma clara mensagem a Israel de que uma paz justa está na base do Estado Palestino com Jerusalém como sua capital", disse o porta-voz da ANP Nabil Abu Rdainah. "Damos as boas-vindas ao discurso e a seu apoio aos palestinos. Achamos que o discurso de Obama, seriamente, tentou definir as relações entre o Ocidente e o mundo árabe", disse o assessor presidencial e chefe de negociação da ANP, Saeb Erekat.

Erekat lembrou, no entanto, que, "discursos à parte, o povo quer ver resultados no terreno", e perguntou: "o que acontecerá na próxima semana ou no próximo mês, quando Israel não parar de construir nos assentamentos judaicos?".

Para o Hamas, a fala de Obama "é um discurso que se apoia nos sentimentos e está cheio de cortesias que nos faz pensar que se tratava de melhorar a imagem dos EUA no mundo", afirmou o porta-voz do grupo Fawzi Barchum à AFP. "Contém muitas contradições, ainda que reflita uma mudança palpável".

Obama reiterou, em seu discurso na capital egípcia, que Israel deve parar a ampliação dos assentamentos judaicos e facilitar o comércio e a vida cotidiana dos palestinos nos territórios ocupados, como passo prévio para a solução de dois Estados, que considerou a única possível para o conflito da região. "Buscarei pessoalmente este resultado com toda a paciência que esta tarefa requer", prometeu Obama em seu discurso, que foi dirigida, principalmente, ao mundo muçulmano e na qual pediu que todas as partes envolvidas cumpram suas responsabilidades.

Israel

O governo de Israel manifestou nesta quinta-feira a esperança de que o histórico discurso proferido pelo presidente ajude a levar a "uma nova era de reconciliação" com o mundo árabe. Em sua primeira reação ao discurso, o governo israelense afirma compartilhar a esperança de Obama de que a abertura americana ao mundo muçulmano marque "o começo do fim" do conflito e leve o mundo árabe a normalizar as relações com o Estado judeu.

A declaração israelense não faz menção aos pedidos de Obama para que seja interrompida a atividade de colonização judaica nos territórios palestinos ocupados nem à pressão do presidente americano pela criação de um Estado palestino independente.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, rejeita as exigências de Obama. O governo israelense afirmou que "fará todo o possível" para expandir a paz pela região, mas sem deixar de preservar sua segurança.

Pode não ter sido perfeito, mas Obama fez um dos melhores discursos possíveis

Gustavo Chacra

Para se ter uma idéia do impacto do discurso de Barack Obama, Ahmed Yousef, principal assessor de política internacional do Hamas, descreveu as palavras do presidente dos Estados Unidos aqui no Cairo como um “momento Martin Luther King”. Um ex-cônsul de Israel nos Estados Unidos classificou como um “espetacular discurso na visão israelense”.

Obama conseguiu, em menos de uma hora, tocar na maioria dos temas que dominam o debate aqui no Oriente Médio. Nestes meses que passei entre países árabes, Israel e Turquia, posso garantir que o presidente delineou uma visão muito próxima do que o campo moderado das ruas árabes e muçulmanas pensa.

Primeiro, o presidente defendeu a importância do islamismo, eliminando todo o tipo de estereótipo existente no Ocidente, onde cresce a islamofobia. Ele mostrou que conhece o assunto e o respeita, mais inclusive do que países europeus, como a França, ao deixar claro que mulheres devem ter o direito de usar o hijab se quiserem – os franceses proíbem, assim como outros símbolos religiosos como crucifixo e kipá, em escolas. O líder americano soube explicar, por outro lado, os motivos que levaram os americanos a terem uma visão equivocada dos muçulmanos, citando o 11 de Setembro.

O conflito no Afeganistão e agora no Paquistão foi colocado como uma prioridade. Admitiu publicamente que a Guerra do Iraque foi uma opção dos EUA. Mas foi na questão palestina que o presidente mais chamou a atenção.

Obama insistiu, mais uma vez, que não pode tolerar a construção de novos assentamentos por Israel nos territórios ocupados. Descreveu a humilhação diárias por que passam os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, mostrou que as ações do Hamas, lançando inócuos foguetes em crianças dormindo e explodindo ônibus com senhoras idosas, não alcançam nenhum objetivo. Aconselhou os palestinos a seguirem os movimentos de igualdade de negros e brancos nos EUA nos anos 1960 e, anos mais tarde, na África do Sul.

Dos países árabes, afirmou que eles precisam dizer em público o que falam a portas fechadas, quando dizem que Israel é uma realidade. O mesmo vale para os israelenses em relação aos assentamentos. Sua política, a partir de agora, é dizer em público o que conversa privadamente.

Os direitos das mulheres também teve importância no discurso. Este é um dos tópicos mais discutidos no mundo islâmico. A questão das microfinanças, na qual crédito é concedido para mulheres de baixa renda poderem desenvolver atividades econômicas empreendedoras, recebeu destaque – vale lembrar que as microfinanças são conhecidas por seu sucesso em países muçulmanos, como Bangladesh.

Talvez Obama tenha deixado a desejar quando discutiu a importância da democracia. O presidente não teve coragem de bater de frente com as ditaduras travestidas de repúblicas ou de monarquias no Oriente Médio. Por que não falar que Hosni Mubarak deve deixar de reprimir a oposição no Egito e respeitar a Justiça? Ou que o rei Abdullah, da Arábia Saudita, deveria pelo menos permitir que as mulheres dirijam? Se israelenses e palestinos recebem recados diretos, os governos árabes também deveria ser advertidos.

Membros da oposição do Egito boicotaram o discurso de Obama na Universidade do Cairo. Nos portões da universidade, onde estive agora de manhã (aqui no Egito), havia apenas 20 manifestantes pedindo o “fim do cerco a Gaza” e para “parar a ocupação israelense”. Disseram que um protesto dos opositores ocorreria na praça Tahrir, no centro do Cairo. Quando passei por esta área, diante do Museu Egípcio, não havia ninguém, a não ser alguns turistas perdidos, militares de branco e poucos carros circulando. Hoje, os egípcios, como os árabes e muçulmanos, pararam para ver Obama falar.

A minha crítica é que, apesar do tempo restrito, Obama não mencionou a Síria, a perseguição dos curdos na Turquia e dos Bahá’í no Irã.

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