Na véspera da Cúpula das Américas, EUA pedem 'gesto' e Raúl se dispõe a falar sobre presos e direitos humanos
PORT OF SPAIN -
Na véspera da abertura da 5ª Cúpula das Américas, o presidente cubano, Raúl Castro, declarou na quinta-feira, 16, na Venezuela, estar disposto a discutir "todas as coisas" com os EUA, segundo a agência de notícias Associated Press. A declaração, é uma resposta ao presidente dos EUA, Barack Obama, que horas antes, numa entrevista à TV CNN em espanhol, cobrou uma contrapartida do regime cubano à iniciativa americana de eliminar restrições a remessas de divisas e a viagens a Cuba.
"Mandei dizer ao governo americano, em privado e em público, que estamos dispostos a discutir tudo - direitos humanos, liberdade de imprensa e presos políticos", disse Raúl em discurso durante reunião na Venezuela. Ele acrescentou que Cuba está aberta a discutir "em igualdade de condições, sem a menor sombra sobre nossa soberania e sem a mínima violação do direito de autodeterminação do povo cubano".
Obama disse na entrevista esperar que Havana permitisse que cubanos viajem ao exterior. No Haiti, a secretária americana de Estado, Hillary Clinton, ampliara as demandas da Casa Branca e cobrou a "democratização de Cuba" e a "libertação de presos políticos". A exigência de contrapartidas pela novo governo americano deverá repercutir na cúpula de Trinidad e Tobago que, entre esta sexta-feira e domingo, selará o primeiro contato entre Obama e os líderes da América Latina e do Caribe.
Ainda na quinta-feira, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, advertiu que não assinará o documento final da cúpula e seus aliados seguirão a mesma linha. Na cidade venezuelana de Cumaná, Chávez reuniu-se na quinta-feira com sete líderes da região, entre os quais Raúl Castro, para "afinar a artilharia" para o evento. Fontes em Port of Spain disseram que Venezuela e Nicarágua se opõem especialmente a dois artigos do esboço da declaração. O primeiro refere-se ao sistema interamericano de direitos humanos e o segundo é um reconhecimento do papel da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ambos são interpretados pelo "bloco bolivariano" como contrários à reinserção plena de Cuba à comunidade interamericana.
Chávez declarou na quinta-feira que espera encontrar-se com Obama, em Port of Spain, para que ambos possam "dizer nossas verdades". Mas, à noite a Casa Branca descartou a possibilidade de uma reunião bilateral entre Chávez e Obama.
Na entrevista, Obama qualificou o Brasil como "potência econômica e peça-chave no cenário mundial", acrescentando que sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a de "dois líderes de grandes países que devem ser parceiros".
A diplomacia brasileira trabalha numa discreta lógica de persuasão do regime cubano. Na terça-feira, o chanceler Celso Amorim avaliou a iniciativa de levantar as restrições a Cuba como um "pequeno passo na direção certa". Mas enfatizou que os EUA não deveriam condicionar seus próximos passos a contrapartidas de Havana.
Esta semana, os EUA levantaram as restrições às remessas e às viagens de cubano-americanos a Cuba e permitiram que empresas americanas de telecomunicações atuem na ilha. As medidas não relaxaram o embargo econômico adotado pelos EUA desde 1962, mas indicaram a intenção da Casa Branca de flexibilizá-lo. Ontem, jornais latino-americanos publicaram um artigo de Obama, conclamando os países da região a se unirem aos EUA "para apoiar a liberdade, a igualdade e os direitos humanos dos cubanos".
Cuba deve dar 'próximo passo' com EUA, diz Hillary Clinton
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse nesta quinta-feira, 16, que Cuba deve dar o próximo passo para melhorar as relações com a nova administração dos Estados Unidos. A chefe da diplomacia de Washington afirmou que o fim das restrições para viagens a Cuba, anunciado pelo presidente Barack Obama nesta semana, foi um passo "muito importante". Agora, ela disse que o governo de Raúl Castro deve mostrar "reciprocidade."
Hillary acrescentou que os EUA estão esperando para discutir questões adicionais, mas primeiro gostaria de ver Cuba soltando prisioneiros políticos e levantando restrições à mídia. A secretária de Estado fez os comentários durante uma parada no Haiti, rumo à Cúpula das Américas, para a qual Cuba não foi convidada.
O governo cubano não fez nenhuma declaração imediata sobre a declaração de Hillary. Mais cedo, o ex-presidente Fidel Castro elogiou comandantes militares nos Estados Unidos que pediram a Obama para eliminar a proibição de viajar a Cuba para todos os americanos, e não só para os que têm família na ilha, como anunciado na segunda-feira.
Em um novo artigo das Reflexões, Fidel cita uma carta enviada a Obama pelos militares, na qual argumentam que o embargo comercial e financeiro que Washington aplica a Cuba desde 1962 não serve aos propósitos políticos e de segurança de Washington. "Eles não acham que Cuba seja uma ameaça à segurança dos Estados Unidos, como tentaram nos apresentar diante da opinião pública americana", afirma.
"Foram os governos desse país que transformaram a base de Guantánamo em refúgio de contrarrevolucionários ou emigrantes. Pior que tudo isso, transformaram-na em um centro de torturas que a tornaram famosa como símbolo da negação mais brutal dos direitos humanos."
O ex-líder cubano, de 82 anos, afirma que "as cartas influem e têm peso na política dos Estados Unidos, já que não se trata, neste caso (Obama), de um político corrupto, mentiroso e ignorante como seu antecessor (George W. Bush), que odiava os avanços sociais do New Deal". "Não tememos dialogar, não precisamos inventar inimigos, não tememos o debate de ideias", acrescenta Fidel, que não aparece em público desde julho de 2006, mas publica frequentes Reflexões, reproduzidas pela imprensa cubana.
Obama pede 'sinal' de Cuba para viabilizar degelo das relações
O presidente dos EUA, Barack Obama, pediu para que Havana envie um sinal de que fará "mudanças na forma em que opera Cuba" para acabar com o congelamento das relações entre os dois países, segundo entrevista concedida à CNN pouco antes de iniciar sua primeira viagem pela América Latina. Obama, chega nesta quinta-feira, 16, ao México para se reunir com o presidente mexicano, Felipe Calderón, em um encontro que deve ser centrado na luta contra o narcotráfico e nas questões de imigração. De lá, ele segue na sexta-feira para Port of Spain, em Trinidad e Tobago, para participar da Cúpula das Américas.
Na entrevista para a CNN Espanhol, o líder norte-americano pediu a libertação de prisioneiros políticos e a concessão do direito de liberdade de expressão para "vislumbrar um degelo maior nas relações" entre Washington e Havana. "Não espero que Cuba implore. Ninguém está pedindo a ninguém que implore. O que estamos querendo é algum sinal de que haverá mudanças na forma como Cuba funciona".
Obama lembrou que seu governo suspendeu esta semana as restrições para as viagens de cubano-americanos à ilha, e para o envio de dinheiro a seus parentes em Cuba. "Mas, ao mesmo tempo em que nós levantamos as restrições às viagens, o certo é que há cubanos que não podem viajar para fora de Cuba", acrescentou. "Queremos nos separar da mentalidade da Guerra Fria que se perpetuou por 50 anos", disse.
Obama afirmou ainda que pretende se engajar nas conversas com os líderes da região num ambiente de igualdade. "Os tempos mudaram", afirmou o presidente americano na noite de quarta-feira. Referindo-se ao seu encontro com o presidente Lula, em Trinidad and Tobago, Obama afirmou que sua relação com o chefe de Estado brasileiro "é a de dois líderes de grandes países, e que estão tentando solucionar problemas e criar oportunidades para seu povo, e poderíamos ser parceiros". "Não há parceiros grandes ou pequenos", afirmou.
Obama ainda elogiou o presidente mexicano, afirmando que Calderón faz um "trabalho excelente e heroico em lidar com um grande problema ao longo das fronteiras com os cartéis de drogas". O americano ainda prometeu colaborar com o México. "Nós não vamos lidar somente com a interdição das drogas vindas do norte, mas também trabalhar para ajudar a conter o fluxo de dinheiro e armas vindos do sul", afirmou.
Outros tópicos problemáticos da agenda serão a reforma da imigração e o comércio. Obama prometeu voltar à carga para aprovar uma reforma de imigração, que empacou no Congresso em 2007. Mas fontes da Casa Branca indicam que esse esforço será adiado, diante das batalhas que Obama vai enfrentar para aprovar a reforma no sistema de saúde e regulação de mudança climática.
Cúpula das Américas
Cuba parece pronta para dominar a Cúpula das Américas que começa nesta sexta-feira, 17, em Trinidad e Tobago, mesmo que o país não tenha sido convidado para a reunião de 34 líderes do continente. A cúpula tem sido vista como uma oportunidade de estabelecer um novo tom nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina, já que esta será a primeira reunião do presidente norte-americano Barack Obama com seus colegas latino-americanos.
Está claro que Cuba, apesar de não participar do evento, fará parte da agenda em razão do longo embargo econômico norte-americano contra o Estado comunista. O anúncio de Obama, feito segunda-feira, sobre a retirada das restrições a viagens e ao envio de dinheiro de cubano-americanos para Cuba foi visto como uma tentativa de neutralizar as tensões entre os dois países. Washington deve se concentrar na discussão de temas com reformas econômicas, energia renovável, segurança pública e a luta contra o tráfico de drogas, sem contar medidas para superar a crise financeira global.
Durante a entrevista, Obama não criticou os líderes da Bolívia, Equador e Venezuela, que adotaram medidas para mudar a Constituição e permanecer mais tempo no poder. "Acho que é importante que os EUA não digam aos outros países como estruturar suas práticas democráticas e o que deve estar incluído em suas Constituições", afirmou. "A população destes países devem decidir como querem estruturar estes assuntos".
Questionado sobre como planeja interagir com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, Obama também rechaçou críticas. "Ele é o líder do seu país e será um dos muitos que terei a oportunidade de conhecer", afirmou.
Os principais pontos do embargo dos EUA contra Cuba
O presidente americano Barack Obama aliviou nesta segunda-feira, 13, algumas restrições contra Cuba, permitindo viagens e remessas de dinheiro à ilha. Veja os principais fatos sobre o embargo:
A decisão de Obama anunciada nesta segunda abre uma nova perspectiva para o comércio bilateral, mas não levanta o embargo mantido pelo governo americano há mais de quatro décadas. Durante sua campanha presidencial, o democrata ressaltou que não retiraria as restrições sobre o comércio até que a ilha demonstra progresso democrático.
- A permissão de viagens será útil para que cubanos americanos viagem mais livremente e afetará mais de 1,5 milhão de americanos com famílias que vivem na ilha.
- Sob a lei atual, os cubanos que vivem nos EUA podem ir à ilha apenas uma vez por ano, e cada pessoa pode enviar no máximo US$ 1,2 mil anuais aos seus familiares.
- As medidas seguem uma longa história de sanções contra Cuba, iniciadas depois que o ex-presidente Fidel Castro chegou ao poder, em 1.º de janeiro de 1959.
- Em 29 de julho de 1960, os EUA suspenderam a importação de açúcar cubano depois que Fidel nacionalizou a refinaria Texaco, que se recusou a fornecer petróleo para a União Soviética.
- Em 19 de outubro de 1960, a administração Eisenhower impôs o embargo contra Cuba, abrindo exceção para alimentos e remédios.
- Em 3 de janeiro de 1961, os EUA romperam relações diplomáticas com Havana, e um ano depois, em 7 de fevereiro de 1962, a administração Kennedy anunciou embargo total contra a ilha. Todas as importações e exportações foram suspensas.
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