Duas meninas de Camaçari (BA), de três e de nove anos, são mantidas em Portugal há três anos, separadas da mãe, sob o poder de uma mulher que não tem grau de parentesco com as garotas. O Ministério Público da Bahia e o MRE (Ministério das Relações Exteriores) do Brasil tentam na Justiça daquele país repatriar as meninas utilizando os princípios da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. A Promotoria baiana trata o caso como retenção ilícita das meninas, que está previsto no texto do documento internacional, assinado em 1980.
Mesmo sem visto ou qualquer tipo de autorização da permanência das crianças naquele país, a Justiça de Portugal deu à cidadã portuguesa a guarda das meninas. O Consulado do Brasil em Portugal, por meio de um advogado, tenta reverter a decisão e devolver as meninas à mãe, assim como o Ministério Público em Portugal.
O texto da convenção prevê a proteção dos interesses da criança em questões relativas à sua guarda, protegendo-a no âmbito internacional dos efeitos prejudiciais da mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e também determina o estabelecimento de procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual.
Em 2005, Rosenilda Barbosa Alves, 26, conheceu a esteticista portuguesa Paula de Jesus Costa Figueiredo em Camaçari. A mulher convidou Alves para viajar a Lisboa, em Portugal, e lhe prometeu emprego e um curso na área de estética, de acordo com a Promotoria. Com visto de turista, a mãe foi para Portugal com as filhas --à época a mais nova tinha 15 dias e a maior, seis anos.
Depois de alguns meses, Alves foi orientada pela esteticista portuguesa a voltar ao Brasil para obter um visto de trabalho que lhe autorizasse a voltar a Portugal. Figueiredo orientou a mulher a deixar as filhas em Lisboa. Antes de partir, a mãe das meninas assinou um documento informal onde passaria a guarda das crianças para a esteticista.
"Esse documento não tem valor nenhum porque ela [Alves] não pode conceder guarda por meio de documento particular. Quando chegou ao Brasil, ela viu que havia dificuldades para voltar a Portugal porque a cidadã portuguesa prometeu enviar a ela um contrato de trabalho. Mas, posteriormente ela soube pelo Consulado [de Portugal no Brasil] que não existe contrato de trabalho em Portugal para estrangeiros que vão atuar em atividades domésticas. Então ela [Alves] viu que era uma cilada e nesse ínterim a cidadã portuguesa requereu a adoção das crianças", disse o procurador-geral de Justiça na Bahia, Lidivaldo Britto.
A adoção foi inicialmente negada, mas o Poder Judiciário de Portugal não determinou o retorno das crianças e concedeu a guarda para a esteticista. Em outra decisão, a Justiça determinou que a mãe voltasse a Portugal e permanecesse por seis meses com as meninas, para uma readaptação. Em janeiro, Alves retornou a Portugal, mas, em fevereiro, a Justiça deu uma nova sentença recusando a guarda das crianças para Alves e mantendo as meninas sob a guarda da esteticista.
A mãe biológica está há mais de 90 dias em Lisboa sem poder ver as filhas, que estão na cidade portuguesa de Santarém, na casa da esteticista. Ela pode falar ao telefone, com a mais velha, duas vezes por semana. Com a filha mais nova ela afirma que nunca mais trocou uma palavra.
O promotor da Vara da Infância e Juventude na época em Camaçari, Carlos Martel Guanaes, foi o responsável por juntar a documentação e encaminhar ao MRE, que por meio da Divisão da Comunidade Brasileira no Exterior encaminhou o caso para o Consulado do Brasil em Portugal. O órgão naquele país entrou com ação na Justiça portuguesa pedindo o repatriamento das crianças. O Ministério Público português entrou também com uma ação, municiado pelos mesmos documentos enviados pela Promotoria de Camaçari.
Segundo Guanaes, somente a ação protocolada pela Promotoria portuguesa foi aceita pela Justiça local. A Justiça portuguesa solicitou um um laudo psicológico da filha mais velha de Alves, segundo Guanaes. A criança relatou que sofria maus-tratos, segundo o promotor, e a Justiça portuguesa não acatou o pedido de repatriação. Para Guanaes, o decorrer do caso é uma afronta à Justiça brasileira.
"O que temos discutido não é nem essa questão [de maus-tratos]. O que discutimos é a situação de duas crianças brasileiras em Portugal ilegalmente. Elas não têm visto, não se enquadram em nenhuma das categorias de permanência no território português e que caberia às autoridades brasileiras discutirem essa situação e não as autoridades portuguesas. Essa mulher ajuizou inclusive um pedido de adoção, o que para nós é uma afronta", diz Guanaes.
Para o procurador-geral da Bahia, as informações sobre maus-tratos à menina são falsas. "As crianças não foram vítimas de violência por parte da mãe, não foram vítimas de crime, de abuso, nada. A gente sabe que isso [notícias de maus-tratos] tem repercussão muito forte na Europa. Porque esse fato nunca surgiu aqui? Também foi ventilado que as crianças também iriam retornar para uma favela, como se a pobreza fosse justificativa para a perda do poder familiar", afirmou Britto.
O procurador-geral disse não acreditar que o caso deve ter a aplicação da Convenção de Haia. Britto defende que o caso seja tratado como uma questão política entre os dois países e, por isso, procurou o Ministério das Relações Exteriores para expor a situação das crianças.
"O governo brasileiro tem de pressionar o governo português para exigir a repatriação já dessas duas crianças. É um caso inevitável. As crianças estão em situação totalmente irregular, elas não têm nenhum representante legal, elas não tem nenhum documento e elas são cidadãs brasileiras. Diferente desse caso da criança que tem dupla nacionalidade, é americana e brasileira, que está no Rio com os avós maternos. Elas estão lá com uma estranha, que não é parente", disse o procurador citando o caso do garoto brasileiro de 8 anos disputado pelo padrasto brasileiro e pelo pai norte-americano David Goldman.
Por meio da assessoria de imprensa, o MRE informou que o caso está sendo tratado, na Justiça, por um advogado do Consulado do Brasil em Portugal, que representa os interesses da mãe biológica. O órgão naquele país informou que a defesa já impetrou vários recursos para reverter a situação das meninas.
A defesa da esteticista portuguesa declarou que não vai se manifestar sobre o caso para "resguardar o bem- estar das crianças".
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