"O ano de 2002 será sempre lembrado pela onda de escândalos que abalaram a confiança nas corporações americanas." Assim o repórter de economia da BBC Briony Hale começava seu texto sobre 2002, publicado em 20 de dezembro daquele ano aqui na BBC Brasil. Briony referia-se logicamente aos casos de fraudes empresariais nas gigantes Enron e WorldCom, que afetaram a imagem de solidez do capitalismo na terra do Tio Sam. Muitos tentaram ver os escândalos de seis anos atrás como casos isolados, frutos da irresponsabiliade de alguns executivos, severamente punidos pela Justiça anos mais tarde. Mas houve quem entendesse que, por trás dos acontecimentos do início da década, escondia-se um pesadelo muito maior: o de que a economia americana era muito mais frágil, vulnerável e pobre do que as aparências mostravam.
Não sou especialista em economia, entendo do assunto menos do que boa parte dos nossos leitores. Mas tendências históricas me fascinam. Por isso fiquei impressionado, quatro anos atrás, quando li pela primeira vez a avaliação do historiador francês Emmanuel Todd sobre o futuro dos Estados Unidos como potência global, no livro After the Empire - The Breakdown of the American Order (Depois do Império - O Desmoronamento da Ordem Americana). Acho que inclusive já citei esse livro aqui neste blog. Todd analisa aspectos políticos, militares, diplomáticos e econômicos dos Estados Unidos para mostrar que o país chegou ao seu auge na segunda metade do século 20 e agora segue ladeira abaixo. Em algumas décadas, segundo ele, os americanos serão uma potência de importância relativa, demais ocupada com seus problemas internos para poder resolver questões em outras partes do mundo.
Na polêmica avaliação do historiador francês, os Estados Unidos eram realmente fortes quando tinham uma economia baseada em um capitalismo industrial, quando produziam coisas que se pode pegar, usar, quando sua economia era tão robusta quanto fábricas de veículos, estaleiros, computadores ou naves espaciais. Para ele, os escândalos da Enron e WorldCom mostraram que não era mais possível confiar no valor de face da economia americana. Maior PIB do mundo? Nominalmente, sim. Mas ver que a única superpotência mundial depende há anos de dinheiro japonês e chinês para financiar seu déficit e de um frenético consumo interno para manter a bicicleta de Wall Street em pé não é algo exatamente alentador.
Como eu já disse, não entendo muito de economia. Mas o cidadão comum sabe muito bem o que se passa perto dele. Em minha última visita aos Estados Unidos, em 2004, tive a impressão de que em torno do Lago Michigan havia mais iates do que contribuintes. Ao comentar com um morador local como aquela riqueza me impressionava, ele disse: "Mas os barcos não são deles. São dos bancos. Isso tudo é crédito. Ninguém tem dinheiro de verdade aqui, as pessoas têm crédito". Assim como as grandes empresas americanas. Num dia elas têm dinheiro, ou promessa de dinheiro, papéis que dizem que elas têm dinheiro. No dia seguinte, o dinheiro se foi. Onde estava esse dinheiro, ninguém sabia ao certo, porque um emprestou para o outro, que emprestou para um terceiro, que ofereceu para um quarto, que prometeu pagar quando recebesse de alguém cujo patrimônio ninguém checou.
À frente dessa economia não mais baseada na indústria, mas muito mais na ciranda financeira, na especulação sobre o futuro, na promessa de retorno, está o Federal Reserve. Mas pouco mais de um ano atrás, seu presidente, Ben Bernanke (foto acima), dizia que a crise imobiliária não era uma ameaça grave. Semanas depois teve de admitir que "as perdas financeiras globais excederam até as expectativas mais pessimistas". E o pesadelo mal havia começado.
Em agosto de 2007, no início da crise, o Fed lançou US$ 24 bilhões no mercado para conter a queda das bolsas. Nesta quinta-feira, 18 de setembro, foi obrigado a injetar US$ 180 bilhões. Isso depois de desembolsar US$ 85 bilhões para salvar a AIG. E o incêndio continua. Parece que aqueles que viram nos escândalos da Enron e da WorldCom algo mais do que práticas criminosas tinham razão em temer pelo futuro da maior economia do mundo. O buraco parece ser muito mais embaixo.
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