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Aperitivo da crise
Alona Llavori, que comprou duas casas no valor de US$ 807 mil; alem de perder os imoveis, pode ser despejada da casa que aluga
CALIFÓRNIA - Entre os meses de julho e setembro, 765.558 pessoas nos EUA perderam as suas casas. Desse total, cerca de 80.000 residências foram retomadas por bancos só na Califórnia. A imensa maioria perdeu o teto porque não conseguiu pagar o financiamento dos imóveis. Ficou desempregada ou a dívida aumentou além das possibilidades.
Caso da imigrante filipina Alona Llavori. Há um ano, ela estava comprando duas casas financiadas no valor total de US$ 807 mil em Stockton, cidade-dormitório nos arredores de São Francisco, na Califórnia. Morava em uma, de US$ 450 mil, e alugava a outra, de US$ 357 mil.
Agora, Llavori mora de aluguel. Ela perdeu seus dois imóveis por falta de pagamento das prestações. Seu pequeno negócio, de seguros residenciais, foi afetado em cheio pelo estouro da "bolha imobiliária", obrigando-a a entregar os imóveis ao banco. As duas prestações juntas somavam US$ 4.400 ao mês. Hoje, ela luta para bancar um aluguel de US$ 1.500.
Além de perder suas duas casas e morar de aluguel, Llavori corre o risco de ter de se mudar de novo. Assim como ela, o proprietário da casa que ela aluga tem dois imóveis, também financiados (um para morar, outro para alugar). Ele também está inadimplente.
Em 22 anos nos EUA, nunca estivemos tão mal. Perdemos tudo, até os US$ 100 mil da entrada dos imóveis. Tentamos renegociar, mas os bancos não quiseram conversa", diz Llavori.
Em última instância, é por causa de pessoas como Llavori e o dono da casa que ela aluga (e dos bancos que os financiaram) que o mundo está sofrendo a sua maior crise financeira em quase 80 anos.
As dívidas dessas pessoas foram transformadas em garantias para bilhões de dólares em títulos renegociados ao redor do mundo. Quando descobriu-se que Llavori e outros não tinham como pagar, toda a cadeia ruiu.
Na média do país, o terceiro trimestre de 2008 registrou 71% mais despejos por falta de pagamento (na comparação com o mesmo período de 2007). Na Califórnia, o aumento para os atuais 80.000 foi de 230% sobre o ano passado (três vezes mais do que a média do país).
A explicação é a seguinte: a crise imobiliária, que foi o estopim do atual caos financeiro, começou na Califórnia. E começou quase um ano antes no Estado. A Califórnia é, portanto, uma espécie de "laboratório" do que ainda está por vir.
O quadro não é nada animador
A Califórnia tem hoje uma das maiores taxas de desemprego nos EUA: 7,7% (a maior em 12 anos), contra 6,1% na média nacional. Em cidades como Stockton e outras que viveram mais intensamente o "boom" e o " bust" (estouro) da bolha, o desemprego já atinge quase 13%.
Já a economia como um todo está em visível desaceleração. Na principal rua de São Francisco, a Market Street, há dezenas de liquidações com até 75% de desconto e inúmeras lojas fechadas. O maior shopping local, o Westfield, estava quase vazio na hora do almoço na semana passada, e oferecia o sorteio de um Jaguar de R$ 120 mil para atrair clientes.
Pianista tenta atrair fregueses no maior shopping central de São Francisco, o Westfield, na Market Street
Nas previsões do Departamento de Economia da Ucla (Universidade da Califórnia em Los Angeles), o Estado não deve crescer no atual trimestre, nem no próximo.
O PIB da Califórnia corresponde a 15% do total nacional e eqüivale a uma vez e meia o do Brasil. Mas, a partir de 2007, pela primeira vez em vários anos, o comércio passou a vender menos. E o governo, a arrecadar menos impostos.
Mas o setor financeiro é de longe até aqui o que mais causa estragos, por figurar entre os mais bem remunerados. Nos últimos dois anos, houve uma diminuição de 6,9% no total de vagas nessa área na Califórnia. No resto do país, o corte foi de apenas 1,5%. Ainda.
Infelizmente, nenhum sinal do fim dessa crise por enquanto.
Ao contrário: os blocos inteiros de casas desocupadas em Stockton, com seus jardins secando no calor do Central Valley da Califórnia, são apenas um sinal do que pode vir por aí.
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Fernando Canzian, 42, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.Escreve às segundas-feiras.
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