Filho de sucessora de Dilma teria feito lobby para MTA Linhas Aéreas

Diretor dos Correios e consultor confirmam que Israel, filho de Erenice Guerra, intermediou negócios com estatal. Revista "Veja" apontou empresa da qual é sócio outro filho da ministra como intermediadora de empresas no governo

O diretor de Operações dos Correios, Artur Rodrigues da Silva, e o consultor Fabio Baracat apontaram ontem à Folha o filho da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, como intermediador de negociações e contratos entre uma empresa privada e o governo federal.

Erenice sucedeu a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, de quem era o braço direito na pasta.

Reportagem da revista "Veja" desta semana mostra que Israel Guerra e a empresa Capital Assessoria e Consultoria Empresarial, à qual é ligado, fizeram lobby para ajudar a MTA Linhas Aéreas a obter a renovação de uma concessão da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que permitiu, mais tarde, um contrato em condições privilegiadas com os Correios.

A revista diz que foi Erenice quem viabilizou o sucesso da atuação do filho. Segundo a reportagem, o dinheiro pago na intermediação teria sido citado pela ministra como necessário para cumprir "compromissos políticos".

Em nota oficial, Erenice classificou a reportagem de "caluniosa", mas o envolvimento de Israel foi confirmado à Folha por dois participantes das negociações com a Anac e os Correios.

Rodrigues Silva disse que a Capital foi contratada pela MTA (Master Top Linhas Aéreas) no final do ano para apressar a liberação de seus voos pela Anac.

Segundo a Junta Comercial de Brasília, a Capital está registrada em nome de Saulo Guerra, outro filho de Erenice, e de Sônia Castro, mãe de Vinícius Castro, assessor da Casa Civil. A "Veja" afirma que os donos são "laranjas" de Israel e Vinícius.

Representante da MTA na época, Baracat diz que era com Israel que os entendimentos eram travados. O filho de Erenice, segundo ele, receberia remuneração se a operação tivesse sucesso.

"Durante o período em que atuei na defesa dos interesses comerciais da MTA, conheci Israel Guerra, como profissional que atuava na organização da documentação da empresa para participar de licitações, cuja remuneração previa percentual sobre eventual êxito, o qual repita-se, não era garantido", disse Baracat à Folha.

No início do, a MTA fechou contrato sem licitação de R$ 19,6 milhões com os Correios para transporte de carga.

Baracat disse ter conhecido Erenice, mas negou ter discutido negócios com ela.

Segundo a "Veja", eles teriam se encontrado quatro vezes para negociar os interesses da MTA.

Dilma Rousseff e José Serra (PSDB) comentaram ontem a denúncia de lobby na Casa Civil. Em Goiânia, Serra disse que o ministério virou um "centro de esculhambação" desde que era comandado por José Dirceu.

Dilma defendeu Erenice e disse que a acusação faz parte de uma tentativa da oposição de achar uma "bala de prata" para atingi-la.

Contra parecer, Anac beneficiou empresa

Renovação de concessão da MTA foi dada pela presidente da agência em quatro dias, apesar de diretoria ser contra. Entre liberação da Anac e assinatura de contrato com Correios, empresa era representada por atual diretor da estatal

A presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Solange Vieira, contrariou decisão da diretoria da agência e beneficiou a empresa MTA, apontada como contratante dos serviços de consultoria do filho da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra.

A renovação da concessão saiu em quatro dias, mesmo com parecer contrário da diretoria da agência.

Em 15 de dezembro, a Anac havia negado a renovação em razão da "ausência da comprovação de regularidade previdenciária". Porém, no dia 18, a presidente da Anac concedeu a renovação estendendo o prazo de três para dez anos.

O ato da presidente da Anac foi referendado pela diretoria duas semanas depois. Segundo a assessoria da Anac, Solange concedeu a renovação porque a MTA apresentou a papelada exigida pela burocracia do órgão.

A renovação por dez anos foi uma mudança de entendimento da diretoria que se estendeu para todas as demais empresas do ramo.

Após conseguir a liberação, a MTA fechou neste ano um contrato com os Correios de R$ 19,6 milhões, sem licitação e com privilégios: permite que a companhia aérea leve cargas de terceiros além do material dos Correios nas viagens, tornando mais lucrativo o negócio.

Segundo a Folha apurou, este é o único contrato que permite a carga compartilhada. As demais empresas que atendem aos Correios operam com carga exclusiva.

A empresa ganhou neste ano quatro contratos nos Correios no valor de R$ 59,6 milhões, para o transporte de carga aérea. Três foram por pregão eletrônico e somam R$ 40 milhões. O quarto é o de R$ 19,6 milhões.

Entre a liberação na Anac e a assinatura do contrato com os Correios a MTA era representada por Artur Rodrigues da Silva, que depois se tornou diretor de Operações dos Correios em agosto por indicação da Casa Civil.

Segundo a revista "Veja", o consultor Fábio Baracat, ligado à MTA, teria negociado esses contratos com a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, graças a atuação de Israel Guerra, que não foi localizado pela reportagem.

A intermediação teria rendido uma propina ao filho da ministra, segundo a "Veja".

Em entrevista à Folha por telefone, Baracat afirmou que o negócio entre MTA e Israel não prosperou. "Se houvesse algum trabalho, pleiteado, haveria [pagamento à empresa de Israel]. Mas como não teve nada, não se fez."

"Não se chegou a falar em percentual", disse o consultor. Ele afirmou que, no final do ano passado, aproximou-se da direção da MTA para tentar adquirir parte da empresa. Disse que realizou um plano de negócios, com vistas à parceria, mas que há três meses desistiu da ideia.

Em nota, Baracat declarou se sentir "um joguete". "Acredito que tenha contribuído com o esclarecimento dos fatos, na certeza de que fui mais uma personagem de um joguete político-eleitoral irresponsável do qual não participo", disse.

Segundo a "Veja", reuniões com clientes da Capital aconteceram em um escritório de advocacia em Brasília que tem como sócio Márcio Silva, que integra a coordenação jurídica da campanha de Dilma Rousseff.

Silva disse à Folha que desconhecia a existência da empresa Capital e das eventuais atividades profissionais de Israel. Disse que é amigo de Erenice e do irmão dela, Antonio, que foi sócio do escritório até março deste ano.

Silva disse não saber se Antonio cedeu o espaço ao sobrinho, e que a única conversa profissional que teve com Israel foi sobre uma empresa de Minas que estaria precisando de advogado.

Diretor de estatal diz que contrato foi emergencial

Diretor de Operação dos Correios, Eduardo Artur Rodrigues Silva, disse que a Capital Consultoria e Assessoria foi contratada pela MTA (Master Top Linhas Aéreas) para "agilizar" a renovação da concessão da empresa na Anac. Na época, ele era gerente da Martel Assessoria e Consultoria Aeronáutica, que entre seus clientes tem a MTA.

Folha - Que tipo de serviço a Capital fez para a MTA?


Eduardo Artur Rodrigues Silva - Em dezembro do ano passado a Anac suspendeu os voos da empresa porque uma certidão [que comprova pagamento de imposto] estava vencida. Eles [MTA] nos informaram então que contrataram uma assessoria em Brasília para agilizar o procedimento na Anac.

Por que contrataram uma outra consultoria se já tinham contrato com a consultoria do senhor?

Disseram que embora a Martel tenha filiada em Brasília, só tem uma funcionária, então contrataram consultoria para ajudar. Antes de mandar para a Anac, por solicitação da MTA, essa consultoria mandou e-mail para que a Tatiana [filha de Silva e diretora da Martel] desse uma olhada no expediente porque ela é especializada em direito aeronáutico.

Por que era preciso "acelerar" a renovação da concessão da empresa?

A certidão venceu numa semana de pico para o setor e a empresa parou de operar. Como estavam desesperados, eles [MTA] contrataram uma consultoria em Brasília. Após renovar a concessão, a MTA conseguiu um contrato milionário com os Correios sem licitação. Em dezembro, a TAF Linhas Aéreas, que tinha dois aviões operando para os Correios, teve problema com as aeronaves. Em janeiro, a Total Linhas Aéreas teve dois aviões parados pela Anac e em fevereiro uma outra empresa foi considerada inidônea. Por isso tiveram que fazer contrato de emergência.

O sr. tratou da MTA com a ministra Erenice Guerra ou com o Israel, filho dela?

Eu vi a doutora Erenice duas vezes na vida. O Israel não sei quem é.

O sr. era o procurador da MTA. O sr. disse que quem fez esse trabalho na Anac foi a Capital. Qual a relação entre a MTA e a Martel?

Fui procurador da MTA e renunciei em maio. A MTA informou que tinha uma consultoria em Brasília que estava ajudando a renovar o funcionamento jurídico. Para atender o nosso cliente, olhamos o documento que a Capital estava fazendo.


Ministra diz que teve "honra pessoal" atacada


A ministra Erenice Guerra (Casa Civil - foto ao lado) se pronunciou ontem por meio de nota oficial em que afirma que abre mão de seus sigilos fiscal, bancário e telefônico, e de todos os seus familiares.

A ministra afirmou ainda que vai processar a revista por "danos morais" e pedir "direito de resposta".

Acusou a revista "Veja" de atacar sua "honra pessoal" por conta do "processo eleitoral" em que, segundo ela, a "revista está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível".

Na nota, a ministra não esclarece nenhum dos pontos relatados na reportagem.

A revista afirma que Erenice participou de encontros com interessados no negócio com os Correios, e teria dito que havia "compromissos partidários" a serem saldados com a suposta propina.

Em declarações reproduzidas na revista, a ministra diz que nunca recebeu empresários em casa para tratar de assuntos institucionais. Afirma, ainda, que, "eventualmente", algum empresário pode ter ido à sua casa, mas como convidado dos filhos.

Na nota, ela diz que, procurados pela revista, "fornecemos -tanto eu quanto os meus familiares- as respostas cabíveis a cada uma de suas interrogações".

"De nada adiantou nosso procedimento transparente e ético, já que tais esclarecimentos foram, levianamente, desconhecidos."

SAIBA MAIS

Ministra se envolveu em escândalos

Sombra de Dilma Rousseff (PT) desde o início do governo Lula, a ministra Erenice Guerra (Casa Civil), 51, teve o nome envolvido em escândalos e polêmicas durante a passagem da ex-chefe pelo Planalto.

Em 2008, ela foi acusada de montar um dossiê com gastos sigilosos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O material serviu para constranger a oposição na CPI dos Cartões Corporativos.

No ano passado, foi citada em denúncia de favorecimento à família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Segundo Lina Vieira, ex-secretária da Receita Federal, Erenice marcou reunião em que Dilma tentaria interferir em investigação sobre negócios do clã.

Erenice negou participação nos dois casos. Blindada pelo governo, nunca teve que dar explicações no Congresso.

Formada em direito e filiada ao PT desde 1981, ela nunca disputou eleições, mas sempre atuou na burocracia estatal. Ocupou postos na Eletronorte, no governo de Cristovam Buarque em Brasília e na Câmara dos Deputados.

Aproximou-se de Dilma em 2002, na transição para a gestão petista. Logo virou sua assessora mais próxima, com cargo comissionado no Ministério de Minas e Energia.

Quando Dilma assumiu a Casa Civil, em 2005, Erenice virou secretária-executiva do órgão, substituindo a titular em férias e viagens. Em março, teve a lealdade premiada com a promoção a ministra. A nomeação foi bancada por Dilma, após uma indicação frustrada para o Tribunal de Contas da União.

Reservada, a ministra evita dar entrevistas e prefere atuar nos bastidores. Recebeu de colegas o apelido de "Dilma da Dilma", por reproduzir o mesmo estilo durão da ex-chefe.

Líder do governo fala em "acusações baratas'; PSDB pede apuração

O líder do governo na Câmara, Candido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que a reportagem da revista "Veja" é "ridícula", baseia-se "em acusações baratas" e aparenta ser bancada por pessoas com interesses contrariados.

"Fala-se em um suposto lobby que não tem foco, não tem ganhador, não tem propina", disse.

Ele defendeu a possibilidade de filhos de ministros terem empresas, desde que não haja favorecimento -não fez ressalva ao fato de os contratos envolverem dinheiro público.

Sobre a afirmação do candidato tucano José Serra de que a Casa Civil é um centro de "maracutaias", Vaccarezza disse que "quem usar isso eleitoralmente vai cavar a própria cova": "Serra é uma pessoa miúda, nas propostas e na atuação política".

Oposição

O presidente do PSDB e coordenador da campanha de Serra, senador Sérgio Guerra (PE), classificou de "gravíssimo" o suposto envolvimento da ministra Erenice Guerra na viabilização de negócios que supostamente resultaram em pagamento de R$ 5 milhões à empresa do filho.

"É um escândalo que aconteceu na antessala da Dilma", disse o senador, que conversaria com Serra sobre o assunto, por telefone.

Para o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, os contratos atribuídos ao filho de Erenice são ainda mais graves para a campanha de Dilma que a quebra dos sigilos fiscais de pessoas ligadas ao candidato tucano.

De acordo com ele, o caso agora precisa ser "tratado com prudência e apurado a fundo".

O presidente do DEM, Rodrigo Maia, disse que o caso "precisa ser acompanhado" e que, em período eleitoral, a acusação da reportagem "precisa de resposta" de Dilma Rousseff.


Fonte: FOLHA

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