Constituição. 'Está se ferindo preceito de garantias ao Estado de Direito. É preciso repudiar essas atitudes', diz Ophir/Dida Sampaio/AE
Entidades representativas como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) protestaram ontem contra o novo episódio de censura determinado pela Justiça, desta vez no Tocantins.
"A liberdade de imprensa é um valor da sociedade, um bem jurídico, preceito constitucional de proteção ao direito e à cidadania", disse ao Estado o presidente da OAB, Ophir Cavalcante. "Quando se proíbe a divulgação de informações baseadas em fatos, está se ferindo o preceito constitucional de garantias ao Estado de Direito. É preciso repudiar essas atitudes."
Ophir se referiu à decisão do desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, que decretou a censura ao Estado e a outros 83 veículos de comunicação. Jornais, emissoras de rádio e televisão e sites de internet foram proibidos de publicar informações a respeito da investigação que aponta o governador do Tocantins, Carlos Gaguim (PMDB), e o procurador-geral do Estado, Haroldo Rastoldo, como integrantes de suposta organização criminosa para fraude em licitações públicas.
Direito dos cidadãos.
A ANJ divulgou nota oficial para protestar contra a medida determinada pelo desembargador. "A Associação Nacional de Jornais lamenta e condena a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins de proibir a divulgação - "de qualquer forma, direta ou indireta" - de informações relativas ao governador do Estado e candidato à reeleição, Carlos Gaguim, ou a qualquer integrante de sua equipe de governo, em investigação feita pelo Ministério Público do Estado de São Paulo", afirma o texto.
Para a entidade, a proibição de publicação de notícias "é uma afronta à Constituição brasileira, que veda qualquer tipo de censura prévia". "A censura fere o direito dos cidadãos de serem livremente informados, especialmente nesse período que antecede as eleições. A ANJ espera que a própria Justiça revogue a proibição, em respeito aos princípios democráticos da Constituição."
Primeira instância.
Luís Roberto Antonik, diretor-geral da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), afirmou que a medida restritiva "fere frontalmente a Constituição". "Vemos essas decisões da Justiça de primeira instância com extrema preocupação", disse. "É um assunto de muita relevância, e a mídia fica impedida de divulgar até derrubar o veto em uma instância superior. Nesse processo, muitas vezes se perde o momento em que a divulgação da informação é mais importante. É uma mordaça."
Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, organização não-governamental que promove o combate à corrupção, o TRE do Tocantins está agindo "de acordo com os interesses" do governador e candidato à reeleição Carlos Gaguim. "É evidente que a decisão foi tomada para beneficiar o governador", afirmou. "Espero que a própria Justiça reverta a decisão."
O juiz Marlon Reis, um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção, afirmou que ainda há no Judiciário a "falsa noção" de que o segredo de Justiça, imposto às autoridades relacionadas a investigações e julgamentos, também se aplica aos órgãos de comunicação. "Apenas os órgãos públicos estão sujeitos a essa norma", destacou.
Reis observou que as medidas de censura costumam ocorrer na primeira instância da Justiça. Para ele, novos episódios poderiam ser evitados se houvesse uma súmula vinculante - espécie de orientação geral para todo o Judiciário - sobre esse tema. "O Supremo Tribunal Federal já tem uma posição muito clara sobre a questão."
Reação
CLÁUDIO WEBER ABRAMO
TRANSPARÊNCIA BRASIL"É evidente que a decisão foi para beneficiar o governador"
LUÍS ROBERTO ANTONIK
ABERT"Nesse processo, muitas vezes se perde o momento em que a divulgação da informação é mais importante. É uma mordaça.
Gaguim deu cargos no governo a mulher e sogra do desembargador
O governador Carlos Gaguim (PMDB) nomeou Simone Cardoso da Silva Canedo Póvoa, mulher do desembargador Liberato Póvoa, para o cargo de "assessoramento superior" na Secretaria de Cidadania e Justiça. Publicado no Diário Oficial do Estado em 28 de janeiro, o ato de nomeação é subscrito por Gaguim e pelo secretário-chefe da Casa Civil, Antônio Lopes Braga Júnior. O salário pago a Simone é de R$ 3.600 por mês.
O governo do Tocantins já havia nomeado outro parente do desembargador para cargos no Executivo. Em 25 de janeiro, Nilce Cardoso da Silva, sogra de Liberato Póvoa, foi colocada por Gaguim na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social.
Procurado, o desembargador não quis se manifestar sobre a decisão que impôs a censura ao Estado e outros 83 veículos de comunicação nem acerca da nomeação de seus parentes.
Perfil.
Natural de Dianópolis, interior do Tocantins, o desembargador Póvoa formou-se em Direito pela Universidade de Minas Gerais em 1982. Ingressou na magistratura em 1988 como juiz na comarca de Taguatinga – hoje pertencente ao Estado de Goiás. Passou por todos os cargos de cúpula do Tribunal de Justiça do Tocantins – presidente (de 1989 a 1991), vice-presidente (por duas vezes) e corregedor (de 1998 a 1999).
Aos 66 anos, é desembargador do TJ-TO, diretor-geral da Escola Superior da Magistratura do Estado e professor na Fundação Universidade do Tocantins (Unitins).
Além de obras jurídicas, Liberato Póvoa é autor de contos, crônicas e romances. Fundador e primeiro presidente da Academia Tocantinense de Letras, são de sua autoria os título De Zé Goela a Pé-de-Janta – Os Causos que o Duro Conta, Causos que o Tocantinense Conta e Mandinga. Também é autor da letra do Hino do Tocantins, escolhido por concurso público e aprovado em 1998.
Fonte: O ESTADO DE S PAULO/ Daniel Bramatti - Fausto Macedo e Bruno Tavares
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