Economia x política

Rogério Simões

Em 1991, após a fácil vitória sobre as forças de Saddam Hussein no Kuwait, o então presidente americano, George Bush (o pai), tinha uma taxa de aprovação de dar inveja a Luiz Inácio Lula da Silva: 89%. Bush liderou a nação nos anos do colapso do comunismo no Leste Europeu, ou seja, cruzou a linha de chegada na vitória sobre os soviéticos na Guerra Fria. Também fez os americanos superarem o trauma da Guerra do Vietnã ao vencer facilmente o conflito no Golfo Pérsico. Mas, ao tentar obter a reeleição (dever político de todo presidente americano), deparou-se com o slogan adotado pela oposição democrata: "É a economia, estúpido". Colecionador de vitórias políticas no exterior, Bush foi derrotado nas urnas por Bill Clinton por não ter conseguido reduzir o déficit fiscal e por ter descumprido a promessa de campanha de não aumentar impostos. A economia venceu a política. O bolso do eleitor, então furado, falou mais alto.

A menos de duas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras, o noticiário tem sido uma mistura de informações positivas e negativas. As positivas estão diretamente relacionadas à economia (geração de empregos volta a bater recorde, PIB cresce mais do que o esperado etc), enquanto as negativas estão ligadas à forma de se fazer política no país. A quebra do sigilo fiscal de várias pessoas associadas ao tucano José Serra sugeriu a existência de ações ilegais deliberadas contra a oposição. O ministério que serviu de trampolim para Dilma Rousseff se lançar candidata a presidente transformou-se num centro de acusações de tráfico de influência que derrubaram a substituta e ex-assessora da petista. O jornal britânico The Times disse que as suspeitas "tiraram o brilho" do que parecia, até então, uma campanha histórica de uma futura presidente do Brasil. Como consequência, perdeu brilho também o cenário político brasileiro, que, numa espécie de viagem no tempo, nos faz lembrar os episódios do Mensalão, Anões do Orçamento, a Casa da Dinda etc.

Mas, na briga entre notícias positivas e negativas, entre a economia e a política, quem sai ganhando? Pesquisas de opinião devem indicar, nesta semana, se o Erenicegate tem ou não potencial de afetar a disputa pela Presidência. Até agora tudo sugere que Dilma Rousseff receberá de Lula a faixa presidencial, tornando-se a primeira mulher a ocupar o Palácio do Planalto. A economia costuma determinar a maioria dos destinos políticos, no Brasil e mundo afora. O regime militar brasileiro enfraqueceu-se após a crise da dívida, na entrada da década de 80, e Fernando Collor de Mello foi afastado por corrupção, mas em meio ao fracasso de mais um plano econômico. Lula só chegou à Presidência porque, no segundo mandato, o governo Fernando Henrique Cardoso perdeu o controle da economia. Como lembrei acima, Bush pai não conseguiu se reeleger porque o bolso do americano ia mal, e seu filho não fez seu sucessor porque os Estados Unidos enfrentavam a mãe de todas as crises. O mesmo desastre econômico fez com que os trabalhistas britânicos fossem tirados do poder, em maio passado, após 13 anos e três vitórias eleitorais. Nem o todo-poderoso Suharto, que governou a Indonésia por 31 anos, resistiu à falta de dinheiro do cidadão, sendo derrubado um ano após a eclosão da crise asiática.

O Brasil terá em 2010 sua maior taxa de crescimento econômico desde 1986, e dessa vez a população mais pobre se beneficiou. Programas de distribuição de renda do governo e o avanço do emprego formal têm dado a Lula taxas de aprovação que chegam a 80%. O presidente teria de se esforçar muito para perder uma eleição sob condições tão favoráveis. Seria preciso que algo muito grave acontecesse, que alterasse a confiança e a admiração da população pelo chefe da nação. Por exemplo, o presidente ser desmascarado num caso de comportamento sexual impróprio com uma estagiária na ante-sala da Presidência, como aconteceu com Bill Clinton. O escândalo abalou seu partido, o Democrata, e Al Gore fez campanha sem se associar ao então presidente. Acabou perdendo.

A não ser que Lula seja envolvido em algo de tamanho impacto, Dilma segue favorita. Mas vencerá já no primeiro turno? Se seu triunfo for confirmado, ela governará com tranquilidade? Os escândalos recentes, mesmo que não mudem o resultado do pleito, podem vir a abalar o poder político do novo governo. No mínimo servem de alerta para a provável futura presidente de que seu governo será objeto de constante olhar crítico, da oposição e da imprensa, como se espera em uma democracia. A prosperidade econômica provavelmente dará a vitória à candidata de Lula. Já a lama política pode ter consequências além das eleições.

Fonte: Rogério Simões/BBC

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails