Diplomacia exótica e imatura

Sérgio Malbergier

A derrota da diplomacia brasileira no Conselho de Segurança da ONU na votação das sanções contra o Irã precisa ser desconstruída.

Há uma vitória dentro da derrota. O nome do Brasil aparece em todos os noticiários do assunto. Se os americanos estão certos de que não existe propaganda negativa, a projeção diplomática, mesmo derrotada e equivocada, algum benefício traz.

A estatura e a projeção global do Brasil cresceram muito na Era Lula, mérito seu e da pujança econômica. Combinados, o desenvolvimento econômico e a estabilidade político-institucional destacam o Brasil dos outros leões emergentes.

Mas a qualidade da nossa política externa econômica é muito superior à da nossa política externa política. Em fóruns como o FMI, o G20, a OMC e o BIS (que reúne os Bancos Centrais), nossa liderança é menos estridente e mais eficaz.

No Fundo Monetário, que um dia nos subjugou, conseguimos mais poder em parceria com outros emergentes, fortalecidos na crise. No BIS, o representante do Brasil, Henrique Meirelles, ocupa cadeira no importante conselho diretor do órgão, do alto de U$ 250 bilhões de reservas internacionais. Na OMC, nosso voto é valioso e influente. No G20, somos ouvidos como um país que navegou bem pela tempestade financeira.

Mas no Conselho de Segurança da ONU não somos ouvidos por muita gente.

Dos 15 membros do órgão executivo da ONU, só Brasil e Turquia votaram a favor do Irã e contra as novas sanções por causa do programa nuclear clandestino da teocracia islâmica.

O Brasil mergulhou de cabeça na política do Oriente Médio embora não tenhamos protagonismo na região desde que Oswaldo Aranha conduziu a sessão do Conselho de Segurança que aprovou a Partilha da Palestina entre israelenses e palestinos, no distante 1947. Se é fácil entender por que a Turquia votou pelo Irã, é difícil justificar nossa posição em Nova York.

Como explicar nosso alinhamento com Teerã contrariando grandes e tradicionais aliados políticos e econômicos como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França e os países árabes (que temem tanto quanto Israel uma bomba iraniana)? O que ganhamos ao defender um regime tão opressor e com tantos inimigos?

Ganhamos voz no cenário externo e autonomia, ativos importantes. Mas o Brasil não precisa perder tanto para ter esse ganho, que, inclusive, já está dado. Parecemos adolescentes querendo mostrar que crescemos ao contrariar os adultos.

No Oriente Médio isso fica mais aparente dado nosso até aqui pouco entendimento e envolvimento. Mesmo nas Américas, onde não somos ingênuos mas ficamos excessivamente confiantes, empacamos em organizações supranacionais esvaziadas ou divididas. E o objetivo de reformar o Conselho de Segurança fica mais distante quando temos Ahmadinejad a defendê-lo ao nosso lado.

Já chegou a hora de o Brasil político seguir o econômico e se tornar um player decisivo e agregador nos grandes debates internacionais. Hoje somos mais parecidos com quem nossa política externa teima em nos afastar do que com quem ela nos alinha. Está na hora de entrar na OCDE, a organização de países mais desenvolvidos do mundo, que nos convida há anos e onde pertencemos. Este terceiro-mundismo extemporâneo é o derradeiro complexo de vira-latas. Nossa política externa exótica e imatura é a sua maior manifestação.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.

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