Andrei Netto
Em um de seus mais recentes e provocativos textos publicados no jornal Le Figaro, “Vous avez dit crise ?” (no link, o original em francês), o sociólogo francês Michel Maffesoli, professor da Sorbonne, questiona o impacto concreto da turbulência econômica na vida real e nas relações sociais. Para explicar sua tese, ele recorre aos dicionários de etimologia, usando o significado original da palavra crise. Diz ele: “A crise se refere a uma mutação mais profunda da qual ela é o sinal. A crise é como um índice (index) de que há metamorfose no ar”.
Estou citando Maffesoli porque quero usar sua definição.
Ninguém em Paris, Londres, Madri e, imagino, Berlim, tem mais dúvidas de que a crise pela qual a União Europeia atravessa é a maior de seus 60 anos de história. Não me refiro apenas ao ponto de vista econômico, à pane de credibilidade causada nos mercados financeiros pela, digamos, “descoberta” de déficits e dívidas espantosas na Grécia, em Portugal, na Espanha e agora na Hungria.
A turbulência na Europa é também política. O momento é delicado porque a máquina que empurra a integração da Europa à frente, a união dos interesses da Alemanha e da França, está travada há algum tempo. Sejamos claros: Angela Merkel não queria participar de planos de salvamento do sistema financeiro em 2008, nem adotar estímulos fiscais em 2009, tampouco usar dinheiro do contribuinte alemão para auxiliar os vizinhos do Mediterrâneo, laxistas demais, na ótica germânica, em 2010. Essa prudência alemã, confrontada ao voluntarismo francês, cria uma divergência que emperra a prevenção e a solução de problemas, como ocorreu na Grécia.
Mas a crise da União Europeia e da zona euro está se mostrando, também, um momento de metamorfose. Explico: em setembro de 2008, dias após a falência do banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, empunhou pela primeira vez a bandeira de uma “governança econômica comum” da zona euro. Trocando em miúdos, governança comum quer dizer gestão coordenada de políticas macroeconômicas, orçamentos, políticas fiscais, entre outros pontos.
À época, este projeto não foi à frente porque a Alemanha de Angela Merkel não pretendia partilhar mais poderes com os vizinhos europeus, muito menos transferir decisões sobre a tão eficiente economia germânica para Bruxelas. Em tempos de paz política e de calmaria econômica, o nascimento de um “governo econômico comum” tinha o futuro de uma utopia.
Vinte e um meses depois, a violenta crise de credibilidade está obrigando a União Europeia a adaptar-se, e esta metamorfose está em curso. Ao aprovarem o pacote de € 750 bilhões, entre empréstimos e garantias bancárias, no mês passado, os 27 governos europeus lançaram as bases do que virá a ser, cedo ou tarde, o Fundo Monetário Europeu.
O próximo passo será a criação, nos próximos dias 17 e 18 de junho, em Bruxelas, de um governo econômico comum, sob a guarda do presidente da UE, o belga Herman Van Rompuy. A esse mecanismo caberão tarefas como supervisionar e homologar os orçamentos nacionais, de forma a garantir o cumprimento do Pacto de Estabilidade, a fixação de sanções para governos que não respeitarem as metas, o aumento da vigilância sobre as estatísticas macroeconômicas nacionais e o reequilíbrio da competitividade entre países do bloco.
Nenhum destes projetos será concretizado sem inúmeras reuniões de discussões, desentendimentos e idas e vindas – como sempre acontece na UE. Mas, no fim, eles deverão ser aprovados, em um pacote de regras que representará um salto na integração econômica do bloco. Pressionada pela crise, a Europa fará a sua metamorfose.
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