Lula e Dilma defendem Estado forte, proposta prevista no programa do PT para a candidata.

Lula em um evento com Dilma em Recife: defesa do estado forte - Hans von Manteuffel

PORTO ALEGRE e BRASÍLIA - Na inauguração da primeira fábrica de chips da América Latina, a estatal com fins lucrativos Ceitec, da área de microeletrônica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, exibiram nesta sexta-feira em Porto Alegre discurso afinado na defesa da presença forte do Estado na economia.

- O fracasso do sistema financeiro internacional fez ressurgir o Estado como único capaz de salvar a economia da crise - disse Lula, em discurso.

O presidente declarou que o governo não quer "estatizar por estatizar", mas não abrirá mão de mostrar que "tem bala na agulha" para forçar o empresariado a ser mais parceiro e competitivo. Deu como exemplo a intenção de levar banda larga a todas as escolas públicas do país, com ou sem a participação da iniciativa privada.

- O governo vai assumir a responsabilidade de levar banda larga a todos os rincões. O governo quer trabalhar em parceria com as empresas, mas, se (elas) não quiserem, tenham certeza que o governo vai fazer - reiterou, defendendo que as companhias públicas sejam superavitárias: - Eu quero é lucro.

Perguntada se o seu programa de governo prevê uma presença maior do Estado, Dilma disse que o Brasil "não está na fase antiga do estatismo pelo estatismo do período da década de 1950":

- Mas definitivamente não estamos na fase neoliberal, aquela em que todo mundo achava que o Estado dava conta de tudo. Achamos que o Estado tem de ter uma presença clara na economia - disse Dilma, que ilustrou seu pensamento com um exemplo:

- Como é que a gente vai fazer moradia para todos os brasileiros que ganham até três, quatro salários mínimos, sem subsídio? A equação não fecha, porque o que eles ganham não é suficiente para pagar uma casa. Aí o Estado tem de entrar pesado.

Segundo a ministra, o Brasil está maduro para ter uma combinação boa entre o Estado - "um Estado necessário, não um Estado desmontado, sem característica" -, e o setor privado.

O PT prepara documentos para subsidiar o lançamento, dia 20, da pré-candidatura de Dilma, reforçando a estratégia da eleição plebiscitária e apontando diretrizes que ampliam a presença do Estado na economia. O principal texto, do assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia - escolhido coordenador do programa de governo da candidata petista - levou líderes e dirigentes do PT a explicarem nesta sexta que um eventual governo Dilma pretende fortalecer o Estado, mas não será estatizante.

O teor do documento, que será discutido pela Executiva do partido em reunião quarta-feira, foi divulgado nesta sexta pelo jornal "O Estado de S. Paulo". As diretrizes do PT para o programa de governo ainda serão submetidas ao congresso do partido. No entanto, os petistas confirmam a tese do Estado forte como um dos pontos centrais de um novo programa de governo do PT.

O deputado Ricardo Berzoini, que deixará a presidência do PT dia 20, diz que o texto está alinhado com a "Carta aos Brasileiros", de 2002, mas reconhece que a proposta é mais à esquerda do que é hoje a prática do partido no governo porque gargalos importantes foram superados. Na campanha de 2002, Lula assinou um compromisso de não romper com a estabilidade econômica do governo tucano.

Mostrando-se indignado com o vazamento do documento antes de sua aprovação na Executiva Nacional, o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, disse que as diretrizes em discussão no partido vão subsidiar a elaboração do programa de Dilma, que será finalizado incluindo as propostas dos partidos aliados:

- Não coloco a questão de um governo mais à esquerda ou mais à direita. Não vou entrar nesse debate geográfico. O governo Dilma será a continuidade e vai aprofundar as conquistas. É um processo iniciado em 2003, no primeiro governo Lula.

No Congresso do PT, de 18 a 20, em Brasília, além do texto de Marco Aurélio, Dutra apresentará um documento sobre a tática eleitoral. E Berzoini prepara um manifesto da candidatura Dilma. Para Berzoini, o tom e a tática da campanha de Dilma serão o plebiscito entre os dois governos:

Paulo Bornhausen: "Eles rasgam a Carta aos Brasileiros"

Líderes da oposição e economistas receberam com certa desconfiança o tom que tem sido adotado pelo PT, em textos internos e nas declarações de seus dirigentes, sobre a força do Estado na economia. Para DEM e PSDB, há um retrocesso em relação à postura do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, quando assinou a "Carta aos Brasileiros".

O novo líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), disse que é a tese defendida pelo PT para o programa de governo de Dilma é mais afinada com países como a Venezuela e que, aos poucos, o governo Lula já a adota, quando, por exemplo, faz críticas a instituições, como Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público e a mídia.

- Eles estão tentando apagar a História do país, como se antes deles nada estivesse escrito. É o atraso. Nem a China aceitaria esse programa. O PT vai rasgando, a Dilma e o Marco Aurélio "top, top" vão rasgando a "Carta aos Brasileiros", assinada pelo presidente Lula, que foi o que proporcionou uma dose de acerto para que o Brasil pudesse avançar (nesse período atual) - disse Bornhausen, afirmando, porém, que é preciso reconhecer que houve avanços na gestão Lula.

Para o deputado, é normal uma intervenção do Estado para que não aconteça o pior, nas crises econômicas, mas, depois, a economia começa a tomar o seu rumo, diz.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que houve um retrocesso:

- Eles querem manter os empregos deles (com o Estado forte). Essa é a prioridade deles. É evidente que há retrocesso (quanto a 2002). O discurso mais correto seria o aperfeiçoamento e a evolução (do que já ocorreu) - afirmou Sérgio Guerra, presidente do PSDB.

Para estudiosos, a ação do governo que permitiu a rápida retomada do crescimento após a pior crise financeira, desde 1929, deu ao PT autoridade para trabalhar num programa de governo com essa linha. Mas salientam o viés populista da proposta.

 Fonte: O Globo / Carlos Souza, Cristiane Jungblut, Luiza Damé e Martha Beck

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