Ao menos 27 militantes e dois soldados morreram. Próxima etapa se concentra na revista de casas.
Tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ocuparam a maioria da região de Marjah neste sábado (13), ao final do primeiro dia da megaoperação batizada de Mushtarak (que significa "juntos") das forças internacionais contra os insurgentes talibãs no sul do Afeganistão. Tiroteios foram registrados, e 27 militantes e dois soldados morreram. Sete civis estão feridos.
No segundo dia, a ofensiva se concentra em revistar casas. Alguns bairros concentram tiroteios. "Estamos na maioria da cidade neste momento", disse o porta-voz Josh Diddams dos fuzileiros navais. Segundo ele, a natureza da resistência mudou e os militantes estão lutando em solo em alguns bairros.
A Otan espera em poucos dias tomar o controle total de Marjah, a última cidade sob controle do Talibã e ponto chave do tráfico de ópio.
Militar americano cumpre missão na cidade afegã de Marjah (Foto: Patrick Baz/AFP)
O porta-voz da Casa Branca Tommy Vietor disse que o presidente Barack Obama está acompanhando de perto as operações.
O presidente afegão, Hamid Karzai, pediu às tropas que executassem o trabalho com "extremo cuidado para evitar danos aos civis". Em um comunicado ele também pediu aos insurgentes que usassem a oportunidade para reduzir a violência e se reintegrassem na vida civil. As forças da Otan alertaram os civis para que não saiam de casa, embora não esteja clara a intensidade que o conflito possa assumir.
A Mushtarak é a maior operação desde o começo da guerra no país, em 2001, e o grande teste da nova estratégia da Otan focada na proteção de civis. A ofensiva é também a primeira desde que o presidente Barack Obama ordenou o envio de mais 30 mil soldados americanos ao país.
A Operação Moshtarak
Correspondente da BBC em Helmand, Ian Pannell, explica o que está em jogo no Afeganistão.
"A operação Moshtarak marcará o início do fim da insurgência."
Com estas palavras, o general James Cowan, comandante das Forças britânicas na Província de Helmand, marcou o começo da maior operação militar no Afeganistão desde a derrubada do Talebã em 2001.
Milhares de soldados americanos, britânicos e afegãos, apoiados por dinamarqueses e estonianos, estão agora avançando por terra e ar em partes dos distrito de Nad Ali que há muito estavam nas mãos de insurgentes.
A bandeira do Talebã está hasteada sobre a cidade de Showal, no norte. É a sede do governo paralelo local e será um objetivo chave para as forças britânicas no norte da região, que contam com 4 mil soldados, apoiados por 1.650 militares afegãos.
A sudoeste fica a área de Marjah. Estrategistas militares acreditam que a região sirva de base para uma das maiores concentrações de insurgentes no Afeganistão e é aqui que milhares de soldados americanos estão operando.
Ajudando o povo afegão
"Logo vamos eliminar o Talebã de seus redutos no centro de Helmand. Onde chegamos, ficamos. Onde ficamos, construímos", disse o comandante Cowan.
Ele discursou para centenas de soldados reunidos numa área poeirenta, bem ao lado do local onde uma vigília acabava de ser observada em homenagem aos três últimos soldados britânicos mortos no Afeganistão.
O soldado Dale Vincent tem apenas 21 anos e já está no terceiro tour no Afeganistão. Ele sente saudades da avó que acompanha o noticiário com atenção e está sempre preocupada que Dale esteja em perigo.
Mas ele está confiante de que a Operação Moshtarak será bem-sucedida.
"Estamos ajudando o povo afegão e isso protege nosso território contra terroristas. Todos sabíamos que o Afeganistão seria perigoso antes de virmos, mas esta operação não vai ser mais perigosa que antes, é apenas algo em maior escala", diz ele.
"Casa" é a palavra mais ouvida. O soldado britânico Stephen Courtney tem um filho de dois anos e está noivo com casamento marcado para agosto.
"Eu tento não pensar nos perigos. Mal posso esperar para ir para casa e ver a família e os amigos."
Ameaça de bombas
Também há os mais jovens, os rapazes de 18 anos que não parecem ter idade suficiente sequer para estar longe da família. Rhys James é um deles.
"Tem sido assustador às vezes, mas é aí que o treinamento vem à mente", diz ele.
O que realmente o amedronta é trabalhar à frente dos batalhões, varrendo o caminho com um detector de metais em busca de bombas improvisadas, os dispositivos plantados por militantes que já mataram e amputaram tantos por aqui.
"Fazer a varredura é a parte assustadora. Pode haver uma bomba", diz Rhys.
A doutrina do comandante americano Stanley McChrystal diz que a prioridade é proteger a população e não derrotar o Talebã. Mas é claro que os insurgentes prepararam sua própria resposta à operação amplamente anunciada.
Em um aviso sombrio, o general Cowan alertou suas tropas: "Oferecemos um aperto de mão de amizade àqueles que não quiserem lutar. Aqueles que não apertarem nossas mãos encontrarão um punho fechado e serão derrotados".
Baixas são esperadas e o ministro da Defesa britânico, Bob Ainsworth, alertou à população para esperar derramamento de sangue.
"Este não é de forma alguma um ambiente seguro e não importa quanto equipamento nós ofereçamos a nossos soldados, nunca poderemos eliminar o risco dessas operações", disse ele.
Contendo o Talebã
Esta pode ser a maior operação já feita, mas é improvável que seja a última. Os militantes do Talebã já demonstraram ser capazes de evitar confronto direto, de desaparecer em meio à população sem deixar rastros, para voltar mais tarde quando e como os convier.
Os últimos nove anos viram um declínio contínuo de segurança no Afeganistão; milhares de civis e centenas de soldados das forças internacionais foram mortos e, no mesmo período, o Talebã se reagrupou e se transformou em uma poderosa guerrilha.
A missão no Afeganistão até agora fracassou em acabar com o clima favorável aos insurgentes.
De Londres a Washington, o apoio ao conflito está se dissipando e com eleições no horizonte tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos, a situação militar no Afeganistão chegou a uma encruzilhada fundamental.
Houve vitórias importantes em regiões como Garmsir e Nad Ali, mas as forças internacionais fracassaram até agora em controlar áreas suficientes para conter o Talebã. Este é o principal desafio.
Moshtarak significa "juntos" e é a primeira operação em que forças afegãs dividem o peso do combate.
Isso tornará necessário que as forças afegãs preencham o vácuo de segurança e mantenham o Talebã longe. Aí então, os locais devem ser persuadidos a colaborar com o governo.
Esta operação é a maior já realizada neste conflito e também a mais ambiciosa. No fim, ela pretende levar a algo que a maioria dos afegãos jamais conheceu: paz.
Talibã é fruto de vácuo de poder após anos de conflito no Afeganistão
Grupo islâmico radical surgiu em 1994 e tomou Cabul em 1996. Durante seu governo, direitos foram suprimidos, e o país se fechou.
Imagem de 1998 mostra soldados talibãs aguardando para lutar contra milícias opositoras em Bagram (Foto: AFP)Até os atentados de 11 de Setembro de 2001, quase ninguém tinha ouvido falar nos militantes islâmicos radicais do Talibã, em Osama bin Laden e no papel que eles ocupavam no Afeganistão. A tragédia americana voltou os olhos do mundo para a árida região montanhosa da Ásia central e seus protagonistas, que lutam há séculos pelo controle do país islâmico.
Mas, afinal, quem está por trás do Talibã? Como o grupo surgiu e por onde anda agora, depois da tomada do país pelas tropas americanas em 2001?
Em março deste ano, o presidente Barack Obama afirmou que o combate ao Talibã e à al-Qaeda no Afeganistão e no Paquistão passaria a ser prioridade dos EUA, tirando o foco da luta antiterrorismo do Iraque. Em julho, as tropas lideradas pelos EUA iniciaram uma grande ofensiva contra o movimento na província de Helmand.
Saiba mais sobre os radicais islâmicos que governaram o Afeganistão por cinco anos e que, segundo os norte-americanos, ainda são uma ameaça à segurança do Ocidente.
Histórico
O Talibã surgiu em um momento de lutas internas dentro do país. Voltando um pouco no tempo: o Afeganistão foi unificado em 1747 e foi motivo de briga entre os impérios britânico e russo até sua completa independência, em 1919. Após experimentar a democracia, um golpe em 1973 inaugurou um período de conflitos que dura até hoje no país. Em 1978, um contragolpe comunista estabeleceu a República Democrática do Afeganistão.
De olho no país, a ex-União Soviética invadiu o território no ano seguinte, com 30 mil homens e ajudou os comunistas numa luta ferrenha contra os rebeldes tribais muçulmanos. O número de soviéticos no país chegou a 115 mil, e, nessa época, muitos refugiados foram para o Paquistão e para o Irã.
As guerrilhas rebeldes, conhecidas como Mujahideen (‘santos guerreiros’), não estavam unidas, e de nada adiantava a ajuda em armas e dinheiro enviada pelos EUA aos guerreiros, que estavam concentrados em sua maioria no Paquistão.
Foto de 1997 mostra afegãs cobertas pela burca - que já era um costume na região em épocas anteriores ao Talibã (Foto: Stefan Smith/AFP) A saída dos soviéticos ocorreu em 1989, mas as diferenças entre os grupos fizeram com que a guerra civil continuasse. Em 1992, os Mujahideen tomaram o poder, e um acordo permitiu a governança até 1994, quando a crise entre as diferentes facções guerreiras explodiu novamente.
Ao mesmo tempo, no sul do Afeganistão, surgiu um outro grupo militante, liderado por Mullah Mohammed Omar e que envolvia aprendizes do Islã sunita que pegavam em armas: o Talibã.
Ele logo conquistou as cidades de Kandahar e Charasiab.
“Após ter conquistado Kandahar, eles entenderam as misturas sociais e étnicas da região e tentaram manipular essas diferenças étnicas para seus ganhos políticos e militares. Eles davam recompensas a quem cooperava e puniam quem ia contra eles. [...] Usavam armas roubadas e ajuda externa militar na formação de seu exército”, escreveu Neamatollah Nojumi no livro "The rise of the Taliban in Afghanistan" (A ascensão do Talibã no Afeganistão, Inédito em português).
Com financiamento paquistanês, eles foram derrotados na primeira tentativa de conquistar Cabul, mas continuaram os bombardeios à cidade, tomando-a por completo em setembro de 1996 e impondo um governo islâmico radical no país.
Apogeu e convivência com a al-Qaeda
Num país assolado por anos seguidos de guerras, a rigidez do Talibã trouxe uma certa calmaria à região. A maioria dos líderes tribais havia sido derrotada, e seus líderes foram enforcados. A população foi desarmada, e as ruas foram desbloqueadas, facilitando o comércio.
O grupo aplicou no país uma interpretação rígida da Sharia, a lei islâmica. Logo as escolas de meninas foram fechadas, e as mulheres foram proibidas de deixar suas casas até para fazer compras. Fontes de entretenimento como música, TV e esportes também foram banidas.
Na esquerda, foto de 1997 mostra uma das estátuas de Buda datadas dos séculos II e V, na província de Bamiyan. Eram os maiores monumentos do tipo, com cerca de 53 metros. Na foto da direita, de 2008, o local aparece sem o Buda, destruído em 2001 por ordem de Mullah Omar (Foto: Jean Claude-Chapon e Shah Marai/AFP)
A aproximação com o líder da rede terrorista da al-Qaeda, Osama bin Laden, não tardou. A princípio um opositor do Talibã, Bin Laden mudou de lado após um encontro com Mullah Mohammed Omar em 1996. Com o apoio de Omar, sua al-Qaeda estava segura para agir no Afeganistão.
“O Talibã teve inigualável sucesso, pois implementou uma teocracia austera e puritana às quais desejavam a al-Qaeda e outro grupos jihadistas. Apesar de só ser reconhecido por três países (Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita), o minicalifado sob ordens de Mullah Omar reinou a vontade para realizar seus experimentos entre 1996 e 2001”, escreveu Abdel Bari Atwan no livro "Historia secreta da al-Qaeda".
Queda e dispersão
E o controle do território foi aumentando até que, pouco antes da invasão americana, em 2001, o Talibã controlava 90% do Afeganistão - embora nunca tenha sido reconhecido pela ONU. Aliás, os únicos países que reconheciam o governo eram a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Paquistão.
New York Times: Afeganistão é desafio para a Otan
O fim da administração do Talibã no Afeganistão está vinculado aos atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA. O presidente americano à época, George W. Bush, revidou com uma invasão ao país que dava abrigo à rede al-Qaeda, responsável pelos ataques. Paquistão e Arábia Saudita se tornaram aliados na luta ao terror, e os talibãs continuaram a sua luta armada, agora na clandestinidade.
A guerra destituiu os radicais e impôs um novo governo ao país. Até hoje, as tropas americanas lutam contra a insurgência que se divide em diferentes grupos opositores - entre eles, o Talibã.
Em outubro de 2007, uma reportagem do jornal "The New York Times" estimou que o grupo tinha 10 mil combatentes, embora apenas 3 mil fossem soldados exclusivos.
O Talibã que hoje luta no Paquistão foi organizado de maneira distinta que o grupo que atuou no Afeganistão, emergindo em 2002 após ataques do Exército a regiões tribais. Hoje, o Paquistão empenha sua máxima força na luta contra os talibãs no vale do Swat.
Fontes: G1 - BBC / Ian Pannell


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