'Fat pride', o orgulho de ser gordinha

A vez das gordinhas chegou


Foto para a revista americana 'Glamour': o público respondeu positivamente às dobrinhas (Foto: Divulgação)

Dos Vigilantes do Peso ao balão intragástrico. A atriz Fabiana Karla já tentou quase todas as fórmulas e simpatias para perder peso. "No começo, até emagreci, mas os doces me amam", brinca a Dra. Lorca da atração humorística Zorra Total, da Rede Globo.

A certa altura, porém, ela decidiu parar de se lamentar pelos quilos extras e assumir as dobras. Sentiu-se bela assim. "Preconceito existe desde que nascemos, mas podemos escolher se vamos aceitar isso ou não", diz Fabiana, disparando contra a tão falada ditadura da magreza. "Agora, as pessoas estão se empenhando em respeitar o espaço dos outros - e acredito que estou contribuindo para isso." Vale acrescentar: Fabiana foi convidada para assumir o papel de rainha de bateria de uma escola de samba carioca - posto tradicionalmente reservado a beldades mais enxutas.

A atriz não está só nessa mudança. Em tempos de lipoaspiração, intervenções plásticas radicais, inibidores de apetite e soluções supostamente mágicas para manter o corpo esbelto, cresce o movimento contrário à já citada ditadura da magreza: o fat pride - ou "orgulho de ser gordo". E suas protagonistas já começam a conquistar o apoio do mundo da moda e de segmentos da comunidade médica.

Beth Ditto, vocalista da banda The Gossip, pode ser considerada um dos ícones do fat pride. Posou nua em duas capas de revistas britânicas, NME e Love,  uma especializada em música, e a outra, em moda, respectivamente. Além disso, criou uma marca de roupas para mulheres cujo manequim é avantajado. Já a atriz Brooke Elliott está representando as gordinhas na TV: é a protagonista da série americana Drop Dead Diva, em que interpreta uma advogada cuja vida é atropelada por um tsunami quando uma modelo magra e fútil reencarna em seu corpo.

Há ainda outras referências na TV, que vão desde a rainha dos talk shows Oprah Winfrey até programas como More to Love, em que um homem precisa escolher entre pretendentes gordinhas, e Dance Your Ass Off, reality parecido com o Dançando com as Estrelas - mas com dançarinos rechonchudos.


Pela internet, a modelo e atriz Joy Nash colaborou com o movimento ao postar o bem-humorado vídeo A Fat Rant, em que sustenta uma tese que até pouco tempos parecia indefensável: é possível ser gorda e feliz. Leia a entrevista com Joy. No mundo da moda, o debate em torno da revolução da imagem do corpo perfeito foi incentivado pela revista americana Glamour. A foto de uma modelo nua com a barriga saliente ganhou destaque internacional e se tornou assunto de vários programas de TV nos Estados Unidos. "Essa foi a foto mais incrível que eu já vi em uma revista feminina", disse uma leitora em um dos milhares de comentários sobre a imagem. Com a repercussão positiva, Glamour repetiu a dose, desta vez com várias modelos nuas e com formas avantajadas.

Gordinhas nos trópicos - Seguindo o exemplo americano, o Brasil passou a debater mais o assunto. As gordinhas começaram a ser ouvidas em programas televisivos de grande audiência. Daí surgiu o boom: linhas de telefones congestionadas, caixas de e-mails lotadas e crescimento substantivo de acessos em páginas voltadas para esse público. O blog Mulherão, da jornalista Renata Poskus Vaz, registrou um salto na audiência, de 70 visitas, em março, para 130.000, em novembro. Leia entrevista com a blogueira.

O fundador da agência World Models, Flamir da Silva, recebeu mais de 25.000 contatos de mulheres com perfil plus size e que gostariam de trabalhar como modelos. E esse interesse súbito foi sentido em outros sites e agências relacionados a mulheres com esse biotipo. Até a brasileira Fluvia Lacerda, referência no segmento de modelos plus size no exterior, sentiu a novidade. "Eu costumava dizer que não tinha muito mercado no Brasil, mas percebi que agora existe esse movimento. Aos poucos, a consumidora brasileira vai reivindicar a chance de ter a mesma calça jeans das modelos em tamanhos maiores", prevê Fluvia. Leia a entrevista com a modelo.


Publicitário e presidente da agência W/Brasil, Washington Olivetto concorda que o mercado está abrindo os olhos para mulheres que fogem dos padrões estéticos das passarelas. "A comunicação está percebendo que o processo de venda é mais efetivo quando é sincero", diz Olivetto. Ele lembra que a valorização da "beleza real" é uma preocupação antiga de uma famosa marca de sabonetes, a Dove

Em 2004, a fabricante Unilever fez uma pesquisa global com 3.200 mulheres entre 18 e 64 anos. O resultado foi assustador: apenas 2% consideravam-se bonitas. "A partir daí, a marca quis contribuir com ampliação de um padrão de beleza que, hoje, provoca uma busca do inatingível pelas mulheres. As pessoas têm tamanhos, formas e aparências diferentes, mas todas têm a sua beleza", comenta Rafael Nadale, gerente de marketing da Unilever.

Primeira modelo plus size a participar da campanha da Dove, em 2004, Carolina Angrisani é atriz de comerciais desde 1994. "O mercado sempre foi muito preconceituoso e com ofertas de trabalhos pejorativas", diz. "Mas é bom saber que Brooke Elliott, atriz da série Drop Dead Divaestão abrindo oportunidades para esse perfil."

Nem tudo são flores no caminho das mulheres que se aventuram nesse mercado - como, aliás, acontece também às mais enxutas. Muitas pseudo-agências se aproveitam do momento - e é preciso tomar cuidado. "Houve um boom de meninas querendo ser modelos, mas a quantidade de trabalhos não aumentou proporcionalmente", alerta Kátia Ricomini, editora e fotógrafa do site Criatura GG. Para ela, para tornar-se uma modelo plus size, a candidata precisa muito mais do que um manequim 44. "É preciso ter altura mínima, manequim certo e fotogenia. É uma profissão como outra qualquer", conta.

'Plus Size Fashion Week' - Outro setor que está crescendo é o de vestuário tamanho GG. Até pouco tempo atrás, comprar roupas grandes era sinônimo de dor de cabeça. Mas isso está começando a mudar. "Você se percebe a presença, ainda que tímida, de lojas especializadas para as gordinhas. Isso vai se multiplicar", diz Olivetto. No início de 2010, as marcas voltadas para os tamanhos maiores vão mostrar seus modelos no maior evento para esse público do país, o Fashion Weekend Plus Size - que ocorre simultaneamente à tradicional São Paulo Fashion Week.

Eveline Albuquerque, estilista e proprietária da loja Eveíza Silhueta Plus, é uma das empresárias que vai apostar no evento de nicho. Em 2009, ela abriu uma nova loja em São Paulo, onde revende para outros estabelecimentos, e está negociando um ponto em um shopping center paulistano. O crescimento do negócio tem girado em torno de 20% ao ano. "Percebemos um mercado solto e passamos a nos especializar", conta Eveline, que está no ramo há 25 anos.

As defensoras do fat pride rebatem críticas de alguns segmentos da comunidade médica, que veem no movimento uma apologia à obesidade. Nada disso. Para elas, trata-se do direito de buscar a felicidade, a realização pessoal e profissional e o bem-estar - tudo isso sem precisar cortar calorias ou fazer malabarismos para entrar em uma calça manequim 38 ou 40. "Ser gorda não é mais desculpa para você não ser feliz. Você vai se assumir ou se vender para o resto da vida como uma gorda coitadinha?", cutuca Renata Poskus Vaz, do blog Mulherão.

Fonte: Veja / Natalia Cuminale

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