Doutrina antiterrorismo seria útil na questão climática, defende articulista

Teoria do evento de baixa probabilidade e alto impacto seria aplicável.
Leia artigo de Thomas Friedman, publicado no ‘New York Times’.


Evidentemente, Dick Cheney jamais aceitaria tal aplicação de sua doutrina (Foto: Doug Mills/The New York Times)

Em 2006, Ron Suskind publicou "The One Percent Doctrine", um livro sobre a guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo após o 11 de Setembro . O título foi tirado da avaliação do então vice-presidente Dick Cheney: “Se existe 1% de chance de que cientistas paquistaneses estejam ajudando a al-Qaeda a construir ou desenvolver uma arma nuclear, temos de tratar a questão como certa”. Cheney sustentava que os Estados Unidos tinham de confrontar um novo tipo de ameaça, um “evento de baixa probabilidade e alto impacto”.

Quando vejo um problema que tem apenas 1% de probabilidade de ocorrer e é irreversível e catastrófico, eu faço um seguro...

Logo após a publicação do livro de Suskind, o jurista Cass Sunstein, que na época estava na Universidade de Chicago, apontou que Cheney parecia estar endossando o mesmo “princípio de precaução” que também motivava os ambientalistas.

... Levar a sério as mudanças climáticas é isso

Sunstein escreveu em seu blog: “Segundo o princípio da precaução, é adequado responder agressivamente a eventos de baixa probabilidade e alto impacto – como as mudanças climáticas. De fato, pode-se compreender que outro vice-presidente – Al Gore – defende o princípio da precaução para as mudanças climáticas (embora ele acredite que as chances de acontecer um desastre sejam muito maiores de 1%)”.

Dick Cheney jamais aceitaria essa analogia, é claro. De fato, muitas pessoas, as mesmas que defenderam a doutrina do 1% de Cheney em relação às armas nucleares, agora nos dizem para não nos preocuparmos com o catastrófico aquecimento global – quando, na verdade, as chances de desastre são muito maiores que 1%, se as coisas forem mantidas como estão.

Mas o instinto de Cheney é exatamente a base adequada para lidar com a questão do clima – e toda essa controvérsia do “ climagate ”.

O “climagate” foi deflagrado em 17 de novembro, quando uma pessoa não identificada hackeou e-mails e arquivos de dados da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, um dos principais centros de ciências climáticas do mundo. Depois, postou os arquivos na internet.

Em pouco tempo, eles revelaram alguns importantes climatologistas aparentemente “recauchutando” dados para mostrar um aquecimento global mais forte e excluir pesquisas com conclusões diferentes.


Charge na 'Nature' ironiza 'Climagate' (Foto: reprodução Nature)

Francamente, acho muito decepcionante ler um importante cientista do clima escrevendo que ele usou um “truque” para “esconder” uma suposta queda na temperatura ou que omitiu pesquisas discordantes do público. Sim, a comunidade que nega o aquecimento global, financiada pela grande indústria do petróleo, publicou vários tipos de estudos pseudo-científicos por anos – e o mundo nunca fez um grande barulho em torno disso. No entanto, essa não é uma desculpa para que climatologistas sérios não obedeçam aos padrões científicos.

Pingos nos is

Dito isto, falemos sério: a evidência de que nosso planeta, desde a Revolução Industrial, tem estado em uma ampla tendência de aquecimento fora dos padrões de variação normais – com fases periódicas de micro-resfriamento – tem sido documentada por uma variedade de centros de pesquisa independentes.

Como relatou recentemente o “New York Times”: “Apesar das recentes flutuações na temperatura ano após ano, que alimentaram alegações de resfriamento global, uma tendência contínua de aquecimento global não dá sinais de acabar, segundo uma nova análise da Organização Mundial de Meteorologia . Os anos 2000 provavelmente correspondem à década mais quente nos registros modernos.”

Instinto de Cheney é exatamente a base adequada para lidar com a questão do clima

Isso não é complicado . Sabemos que nosso planeta é envelopado por um lençol de gases do efeito estufa que mantêm a Terra em uma temperatura confortável. À medida que bombeamos mais dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa no lençol, vindos de carros, prédios, agricultura, florestas e indústria, mais calor fica preso ali.

O que não sabemos, porque o sistema climático é bastante complexo, é que outros fatores podem, com o tempo, compensar o aquecimento causado pelo homem, ou a rapidez com que as temperaturas podem aumentar, derreter mais gelo e aumentar o nível do mar.

É um jogo de azar. Nunca estivemos aqui antes.

Só sabemos duas coisas: uma é que o CO2 que lançamos na atmosfera permanece ali por muitos anos, então é “irreversível” em tempo real (com exceção de alguns avanços na geoengenharia); a outra é que o acúmulo de CO2 tem o potencial de liberar um aquecimento “catastrófico”.

Quando vejo um problema que tem apenas 1% de probabilidade de ocorrer e é “irreversível” e potencialmente “catastrófico”, eu faço um seguro. Levar a sério as mudanças climáticas é isso.

Nada a perder

Se os americanos se prepararem para as mudanças climáticas construindo uma economia de energia limpa, mas as mudanças climáticas acabarem sendo um alarme falso, qual seria o resultado?

Durante um período de transição, os preços de energia seriam mais altos.

Porém, gradualmente, eles estariam dirigindo carros elétricos movidos a bateria e cada vez mais suas casas e fábricas teriam energia eólica , solar e nuclear, além de biocombustíveis de segunda geração.

Eles dependeriam menos dos ditadores do petróleo que grudaram um alvo em suas costas; o déficit da balança comercial melhoraria; o dólar se fortaleceria; e o ar que os americanos respirariam seria mais limpo. Resumindo, como país, os Estados Unidos seriam mais fortes, mais inovadores e mais independentes em relação à energia que consomem.

No entanto, se os americanos não se prepararem, e as mudanças climáticas acabarem sendo uma verdade, a vida neste planeta poderia virar um inferno, literalmente. É por isso que eu defendo a maneira Cheney de encarar a questão climática – nos preparando para 1%.

Fontes: Thomas L. Friedman/ The New York Times - G1

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