Violência compromete comparecimento eleitoral no Afeganistão

Presidente Hamid Karzai confirma 73 ataques em 15 províncias; ausência de eleitores foi maior no sul do país

CABUL - Desafiando as ameaças do Taleban e o lançamento de foguetes, os eleitores afegãos foram às urnas nesta quinta-feira, 20, numa eleição que se transformou num sinal crítico dos progressos do país tanto para a administração afegã quando para o governo Obama. A presença, segundo os relatos iniciais, foi baixa, apesar de as autoridades locais terem prorrogado em uma hora o pleito, justamente com a intenção de atrair mais eleitores. Relatos sugerem que o comparecimento foi irregular, com maior participação no norte do que no sul do país, onde está a base de apoio do presidente Hamid Karzai. Segundo ele, pelo menos 73 ataques foram registrados em 15 províncias do país. Uma fonte consultada pela Associated Press disse que entre 40% e 50% dos 15 milhões de eleitores votaram - número bem abaixo dos 70% que participaram em 2004.

A ausência do eleitorado no sul pode afetar as chances de reeleição do presidente Hamid Karzai e favorecer seu principal adversário, o ex-ministro de Relações Exteriores Abdullah Abdullah. No sul do país, testemunhas afirmaram ao The New York Times que insurgentes bloquearam estradas para impedir o trânsito de eleitores. Na cidade de Kandahar, os militantes enforcaram duas pessoas que tinham os dedos com tinta - sinal de que tinham votado. Autoridades informaram que ataques pelo país deixaram 26 mortos, segundo um balanço inicial. Entre as vítimas havia nove civis afegãos, nove policiais e oito soldados afegãos.

Militantes realizaram ataques menores por todo o país. Foguetes foram lançados no sul, ao mesmo tempo em que a polícia confrontou militantes no norte. A polícia na capital Cabul matou duas pessoas, aparentemente extremistas suicidas. Os militantes ameaçaram atacar os centros de votação e também os cidadãos que participassem.

Na província de Wardak, no sul do país, eram vistos mais oficiais de segurança do que eleitores nos colégios eleitorais depois do lançamento de seis foguetes, lançados pouco antes da abertura das urnas, e outros três lançados durante a votação. Em Cabul, Zahir Azimi, porta-voz do Ministério da Defesa afegão, disse na TV que o processo eleitoral foi melhor do que o esperado. Segundo ele, na província de Paktia, dois supostos homens-bomba foram mortos a tiros antes de atacar. Cerca de 300 mil soldados afegãos e da Otan são responsáveis pela segurança do pleito.

O mais grave atentado ocorreu no distrito de Jadeed, situado na província de Baghlan, onde um grupo de insurgentes atacou um posto das forças de segurança, matando um chefe policial e deixando outros dois agentes feridos. O porta-voz da polícia provincial, Mohamed Kabir Andarabi, explicou que as forças afegãs responderam ao ataque e mataram 22 supostos taleban.

Também no norte, em Kunduz, capital da província homônima, dois mísseis caíram perto de um colégio eleitoral, mas não deixou vítimas. A explosão de uma bomba destruiu também um quartel policial na vizinha província de Takhar, onde dois supostos terroristas suicidas que tentaram invadir um colégio eleitoral foram detidos, segundo fontes policiais.

O Taleban anunciou ter infiltrado 20 extremistas suicidas em Cabul e a polícia acredita que 26 homens-bomba teriam entrado na capital. Carros passavam nas ruas tocando músicas patrióticas e encorajando as pessoas a comparecer às urnas, disse ele. Cerca de 17 milhões de afegãos estão registrados para votar.

Um porta-voz da Casa Branca afirmou, nesta quinta-feira, que o resultado não alterará a política dos Estados Unidos para o país. O funcionário disse que "muitas pessoas" foram às urnas, apesar das "ameaças de violência e terror" dos extremistas.

Reeleição de Karzai

A grande questão da disputa, segundo diplomatas e analistas, é se Karzai conseguirá mais de 50% dos votos para garantir a vitória no primeiro turno ou disputará o segundo turno, hipótese mais previsível segundo apontaram as últimas pesquisas de intenção de voto. As pesquisas indicam que Hamid Karzai é o favorito, com 45% das intenções de votos. O segundo colocado nas pesquisas, o ex-ministro do Exterior Abdullah Abdullah tem 25% das preferências. O governo temia que a violência afastasse os eleitores dos postos de votação e, ao votar, o presidente, Hamid Karzai, pediu para que todos os eleitores afegãos comparecessem às urnas "pela paz, pelo progresso e pelo bem-estar do país".

A estimativa é que a contagem dos votos, iniciada logo após o fechamento das urnas em todo o país, deva durar cerca de duas ou três semanas e esteja completa até o dia 2 de setembro. Porém, os primeiros dados oficiais devem ser divulgados neste sábado. Durante esse período, a Comissão Eleitoral irá atender às reclamações entregues sobre o andamento do processo eleitoral. Os resultados preliminares da eleição presidencial podem ser anunciados, dependendo da sentença sobre as reclamações, entre os dias 3 e 16 de setembro. Os resultados finais serão anunciados no dia 17 de setembro. Caso seja necessário um segundo turno para a eleição presidencial, o anúncio deve ser feito no mesmo dia.


Interesses globais convergem em Cabu
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Gilles Lapouge - O Estado de S. Paulo

PARIS - Cerca de 15 milhões de afegãos resignados, desesperados ou aterrorizados, elegem nesta quinta-feira, 20, o presidente da República. Não vamos prever o resultado. Esse país infeliz, esgotado por 30 anos de guerras, está dilacerado entre 20 facções - taleban, sunitas, xiitas, amigos de americanos, inimigos de americanos, chefes de grandes tribos, produtores de ópio e, enfim, os "senhores da guerra", que o presidente Hamid Karzai tenta atrair.

Hoje, todas as grandes potências voltam-se para esse "caldeirão de bruxa"; parecem estar certificando que o Afeganistão detém as chaves do equilíbrio, ou do caos, do mundo. Em primeiro lugar, as nações livres. Barack Obama encerrou a guerra insana lançada contra o Iraque. Em compensação, decidiu fazer da guerra contra os taleban a espinha dorsal da sua nova diplomacia oriental. Grã-Bretanha, França e alguns outros membros da Otan apoiam o presidente americano.

A enorme mobilização do Ocidente (94.500 soldados de 40 países) é um fracasso. Os taleban avançam por todas as partes. Os EUA continuam firmes. Mas e seus aliados?

Londres aceitará por muito tempo ainda ver a fileira de caixões que retornam com corpos de seus soldados? Na França, o debate é acalorado. O Afeganistão é um atoleiro, mas deve-se abandonar o país para fanáticos que apedrejam mulheres adúlteras, fecham as escolas de meninas, torturam e impõem a terrível justiça islâmica? Nem o jornal de esquerda Libération apoia a saída dos soldados franceses.

Os ocidentais não são os únicos a observar essas eleições. Enquanto em 2001, após o atentado contra o World Trade Center, os EUA exerciam uma influência total e quase exclusiva sobre o Afeganistão, hoje essa hegemonia diminuiu. Todas as nações se acercam do Afeganistão e a influência americana já não é tão grande no país.

Os americanos, que lutam para salvar o Afeganistão, são considerados ocupantes e invasores até pela população "não-taleban". Mesmo o presidente Hamid Karzai, marionete dos EUA, vem procurando se distanciar de Washington. E tentando fazer com que outras potências entrem no jogo, como um "contrapeso" aos EUA.

Por exemplo, a Rússia, o que é uma surpresa. Há 30 anos, Moscou invadiu o Afeganistão, onde os soviéticos adotaram o terror durante dez anos, antes de abandonar pateticamente sua presa, em 1989. Pois Karzai acaba de encomendar material militar dos russos. O fato é que a Rússia, potencia da Ásia Central, detém trunfos geográficos importantes. Por exemplo, os americanos, com dificuldades para enviar provisões militares para o Afeganistão pelo sul, viram-se obrigados a pedir ao governo de Moscou autorização para abastecer as tropas da Otan usando bases controladas pela Rússia na Ásia Central.

Outro país que retorna é o Irã. Outra anomalia. O Irã é um país muçulmano xiita. O Afeganistão (incluindo o Taleban) é fortemente sunita. Ora, sunitas e xiitas se odeiam. É por isso que os iranianos até agora se mantinham à distância. Mas agora os iranianos não hesitam em favorecer os taleban, embora sejam sunitas, pois esta é uma oportunidade para prejudicar os americanos. Em resumo, Teerã prefere mais o demônio "sunita taleban" do que o "demônio americano".

Mesmo a China "olha com ternura" para o Afeganistão. Pequim, que jamais se desinteressou da Ásia Central, tem duas razões suplementares para reaparecer no cenário afegão. Recentemente houve violentas revoltas na província chinesa de Xinjiang, habitada por muçulmanos uigures. Os chineses, então, lançam uma "ofensiva de charme" na direção de Cabul, com o objetivo de obter ajuda para controlar os focos islâmicos de Xinjiang.

E Pequim tem uma segunda motivação: a indústria chinesa é um gigante com fome de matéria-prima. Os chineses acabaram de assinar com os afegãos um enorme contrato que lhes dá o direito de explorar a mina afegã de Aynka, segunda reserva mundial de cobre. Um golpe de mestre. Pequim se instala com toda força no Afeganistão.

Seria necessário continuar com esse inventário de grandes países que tentam se reinserir no Afeganistão, aproveitando o conflito com o Taleban, o que explica o grande interesse com que é aguardado o resultado das eleições.

O Paquistão, como sempre dividido entre seu apego ao Ocidente e sua simpatia pelos "islâmicos" e o Taleban, faz parte desse rol de países, como a Arábia Saudita, que gostaria também de assumir o papel de "mediadora" em meio a toda a cobiça religiosa, política ou econômica dos países que se enfrentam e se dividem em torno de Cabul.

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Fontes: ESTADO - AE - Agências

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