Número de Igrejas cresce e pastores querem buscar fiéis fora da comunidade em Martha's Vineyard
Brandão está na ilha há 10 anos e trabalha como treinador de cavalos/Bruno Garcez/BBC Brasil
MARTHA'S VINEYARD - A Igreja do Pastor Paulo Tenório, que está há seis anos em Martha's Vineyard, faz justiça ao nome e à própria trajetória da comunidade evangélica brasileira na ilha. Ela é conhecida como "A Igreja que Cresce". O crescimento não deixa de surpreender, já que Martha's Vineyard, a sofisticada ilha escolhida pelo presidente Barack Obama para passar suas férias, é frequentado pela nata da sociedade de Massachusetts, o Estado com a segunda maior população católica dos Estados Unidos, mais de 49% de seus habitantes.
E os brasileiros, atraídos pela oferta de trabalho no setor de serviços, formam hoje uma das maiores comunidades da ilha. Dos 15 mil moradores de Martha's Vineyard, pelo menos 3 mil são brasileiros, segundo números fornecidos pela prefeitura de Oak Bluffs, uma das seis cidades da ilha.
Paulo Tenório contou à BBC Brasil que sua foi a primeira Igreja evangélica brasileira da ilha a ter uma sede própria, situada na cidade de Vineyard Haven. Agora, eles acabam de inaugurar uma segunda filial, do outro lado de Martha's Vineyard, na cidade de Falmouth, e já obtiveram da administração local permissão para expandir a sede principal. Atualmente, as duas contam com um total de 270 fiéis. As estimativas são de que existam cerca de 800 fiéis espalhados pelas oito Igrejas evangélicas da ilha. E há projetos de construir outras três.
Além da comunidade
Paulo Tenório promove também atividades para atrair mais fiéis. No próximo sábado, a atração da igreja será a ex-paquita Andreia Sorvetão, atualmente uma cantora de sucesso no circuito gospel, que fará uma espécie de culto voltado para crianças.
Em dezembro, ele espera a visita da ex-apresentadora Mara Maravilha, outra celebridade no universo evangélico. Mas a intenção do pastor agora é ampliar suas fronteiras para além da comunidade brasileira. "Nós temos um programa em inglês na TV local, às terças e quintas, e temos a intenção de realizar um culto em inglês aos domingos. Nossos filhos estão crescendo e, apesar de ensinarmos português a eles, a primeira língua deles é inglês. Além disso, precisamos alcançar os americanos. Não há muitos Igrejas pentecostais aqui na ilha."
Outro pastor brasileiro, Valci Carvalho, que está há oito anos em Martha's Vineyard, na cidade de Oak Bluffs, onde comanda os 70 fiéis da Alliance Community Church, tem planos similares ao de Paulo Tenório. "Somos uma Igreja quase que 100% de brasileiros, mas temos planos de começar um culto em inglês para brasileiros de segunda geração."
Liderança
Em Martha's Vineyard, o pastor é considerado uma das mais destacadas lideranças entre a comunidade brasileira, em parte por conta do trabalho que vem desenvolvendo junto às autoridades locais. No ano passado, Carvalho foi um dos oito participantes da chamada Academia de Polícia Cidadã, oferecida pelo Departamento de Polícia de Oak Bluffs, no qual civis aprendem as técnicas utilizadas por policiais locais.
O contato do pastor com as autoridades serviu para que ele atuasse como intermediário em diferentes casos envolvendo brasileiros que estavam irregularmente no país ou que haviam tido problemas com a lei. "Hoje, tenho prestígio por causa desse trabalho. Quando você se coloca à disposição da sociedade, as pessoas procuram a sua ajuda", afirma. O surgimento de novas Igrejas muitas vezes se dá, nos dizeres do pastor Paulo Tenório, "quando alguém dá um chute em algum pastor e monta uma Igreja".
O aumento no número de congregações tem levado também a tensões e cisões, sobre as quais os pastores não gostam de falar em público. Sem ter uma sede própria, muitos fiéis acabam alugando espaços em estabelecimentos comerciais ou mesmo em outras Igrejas. Teve uma origem algo improvisada, similar à de muitas das Igrejas que estão surgindo.
A World Revival Church, que atualmente conta com mais de uma sede em Martha's Vineyard, uma delas um prédio orçado em US$ 1 milhão, segundo o jornal local Vineyard Gazette, teve uma origem algo improvisada, similar à de muitas das Igrejas que estão surgindo. Em 1992, cerca de seis fiéis começaram a organizar cultos nos porões de suas residências, em Oak Bluffs.
Em 2007, uma de suas sedes já contava com capacidade para 200 pessoas. E, atualmente, a Igreja com sede em Boston já ampliou suas fronteiras para muito além de Massachusetts, contando com representações na Índia, em Portugal e no Japão.
Imigrantes brasileiros são 'motor' da ilha em que Obama passa férias
"Durante a temporada de Barack Obama em Martha's Vineyard, ele irá jogar golfe em um campo que foi montado por brasileiros, terá sua refeição preparada por cozinheiros do Brasil e vai mergulhar numa piscina que foi limpa por funcionários brasileiros."
Mauricio Brandão, o autor da previsão acima, tem 28 anos, dos quais 10 foram vividos na ilha de Martha's Vineyard, uma sofisticada instância turística americana frequentada por políticos e astros de Hollywood.
Brandão trabalha na ilha como treinador de cavalos e não conta com informações privilegiadas do Serviço Secreto americano nem pelo cerimonial da Casa Branca.
Mas conhece bem o local em que o presidente dos Estados Unidos e sua família deverão se hospedar, a partir deste domingo, em Blue Heron Farm, e muitos dos que lá trabalham.
Os números oficiais, fornecidos pela prefeitura de Oak Bluffs - uma das seis cidades da ilha - endossam o comentário de Brandão. Dos 15 mil moradores de Martha's Vineyard, pelo menos 3 mil são brasileiros.
"Os brasileiros são o motor de Martha's Vineyard. Sem eles, a ilha não viveria", comenta Brandão.
Representantes da comunidade brasileira dizem que o número real de brasileiros na ilha pode ser até o dobro dessa marca, mas, como cerca de 70% destes estariam ilegalmente nos Estados Unidos, eles preferem não ser contabilizados.
Primeiro brasileiro chegou em 1986
Martha's Vineyard é hoje um tradicional local de veraneio de líderes americanos, como Obama e Bill Clinton, e, por ironia da história, quem abriu caminho para a enorme leva de brasileiros na ilha foi um morador da pequena cidade de mineira de Goiabeira, cujo nome homenageia um presidente americano.
Lyndon Johnson Pereira, de 46 anos, chegou a Martha's Vineyard em 1986. "Eu fui o primeiro brasileiro por lá", diz, com orgulho.
Na época, Pereira era funcionário de um restaurante em Boston, e uma amiga que trabalhava no local convidou-o para se mudar para Martha's Vineyard, para trabalhar no restaurante que seu irmão estava montando na ilha.
"Foi um período muito bom. Em Boston, eu conseguia economizar US$ 1 mil. Na ilha, eu guardava US$ 4,5 mil. Mas trabalhava muito, das 8h à 1h. Quase morri de trabalhar", conta ele.
Apesar de ter faturado uma boa quantia, Pereira só ficou em Martha's Vineyard por um ano, pois teve que regressar ao Brasil às pressas devido ao agravamento da saúde de seu pai.
"Com meu pai doente, tive que ir embora. No Brasil, comecei a estudar e acabei virando professor de segundo grau, me casei e hoje tenho filhos. Cancelei, assim, o meu sonho. Se eu tivesse ficado mais um ano, não voltaria mais."
Casa de US$ 1 milhão
Mas vários outros moradores de Goiabeira e de cidades nas imediações decidiram perseguir o sonho que Pereira deixou para trás. Ele estima que existam cerca de 600 moradores da cidade residindo atualmente em Martha's Vineyard. Nada mal se levado em conta que Goiabeira tem pouco mais de 4 mil habitantes.
A trajetória de Aguimar Carlos, de 48 anos, que chegou à ilha em 1989, vai no sentido oposto à de Lyndon Johnson Pereira.
Ele é casado com um americana, tem duas lojas que alugam scooters e bicicletas e só pensa em regressar ao Brasil quando estiver aposentado e quando sua filha, de 6 anos, já tiver ingressado na universidade.
"Quando cheguei aos Estados Unidos, eu já tinha um destino. Apareci aqui em Martha's Vineyard com US$ 80 no bolso e carregando um saco de lixo com dois pares de calças e duas camisas", relembra Aguimar.
"Hoje, tenho uma casa que já foi avaliada em pouco menos de US$ 1 milhão e conto com licença para alugar 120 scooters e 300 bicicletas. No Brasil, eu não tinha nem dinheiro para comprar uma bicicleta", afirma.
Saudade
Mas Martha's Vineyard não reúne apenas histórias felizes.
Jessica Nascimento, de 29 anos, é uma americana de Massachusetts, que trabalha em um restaurante na região central de Oak Bluffs cuja cozinha é inteiramente formada por brasileiros.
Mas o brasileiro que ela mais queria ter por perto não tem como regressar a Martha's Vineyard.
"Douglas, meu marido, veio para cá no final de 1988. Alguns anos depois, ele passou um tempo no Brasil, onde foi ao Consulado americano no Rio, para renovar seu visto. Mas eles erraram o sobrenome dele no documento e, ao desembarcar nos Estados Unidos, Douglas foi impedido de entrar", conta.
Ela agora vem enfrentando, sem sucesso, uma série de trâmites burocráticos para trazer Douglas de volta e permitir que ele possa visitar os filhos Luke, de 4 anos, e Kahlia, de 2, a quem não vê há um ano.
"Estou ficando louca, já perdi 27 quilos, fiz tratamento psicológico, começaram a aparecer feridas na minha pele. Meu filho acha, às vezes, que o pai está longe dele porque ele fez algo de errado. Não entende o que está se passando", conta.
Jessica gostaria que o visitante ilustre de Martha's Vineyard fizesse algo em defesa de imigrantes cuja documentação está irregular, como Douglas.
"Obama representa esperança. É preciso que ele crie alguma espécie de lei que ajude pessoas como meu marido, que são bons cidadãos, que nunca tiveram problemas com a Justiça, que pagam impostos e que têm crédito. Tenho esperanças que algo seja feito, mas receio que talvez demore."
Fonte: ESTADO
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