Enquanto a OEA (Organização dos Estados Americanos) se consome em um caloroso debate sobre Cuba, a ilha prepara-se para enfrentar o verão mais difícil desde 1994, o auge da crise pós-fim da então aliada União Soviética. Há ordem para economizar energia --e já ocorrem apagões--, restrição de transporte público e uma crise profunda nas contas externas cuja consequência imediata tem sido o congelamento, ao menos parcial, das contas conversíveis em divisas de empresas estrangeiras no país.
A nova etapa de problemas, na ilha já em condições precárias, enterra a fase de cautelosa esperança interna iniciada em fevereiro de 2008, com o começo do governo formal de Raúl Castro --o mais dos Castro faz 78 anos hoje. Em vez das prometidas reformas, em meio a recuperação econômica, mais restrições a ponto de o governo lançar o slogan "economia ou morte", variação do lema de 1959, "pátria ou morte".
"O PIB caiu enormemente após o fim da URSS, que subsidiava a economia cubana. Era uma situação extrema. Podemos dizer que este será o pior ano para Cuba desde então", diz o economista cubano Carmelo Mesa-Lago, da Universidade de Pittsburgh, nos EUA. "Parece que não há luz no fim do túnel. Ao menos enquanto a crise mundial continuar".
Se o governo já vinha alongando o cronograma de pagamentos de dívidas com fornecedores e países-credores desde 2008, neste ano ficou evidente a piora da situação, com a crise de liquidez e controle rigoroso sobre as contas das empresas estrangeiras.
A Brascuba --uma joint-venture entre a Souza Cruz, subsidiária brasileira da multinacional do tabaco British American Tobacco, e o governo cubano-- passa por espécie de "curralito", o congelamento das contas destinadas a envios ao exterior.
"O momento é de preocupação, é de atenção", disse à Folha o diretor da Souza Cruz para a Brascuba, Fernando Teixeira. Ele comemora a liberação, na semana passada, de pagamentos, pela empresa, a fornecedores estrangeiros por Havana, os primeiros em quatro meses: "Confirma meu parcial otimismo. Tudo deve se resolver no segundo semestre".
O trato com a Brascuba, produtora de 1,8 bilhão de cigarros para a ilha e para exportação e uma das mais longevas parcerias do regime com a iniciativa privada, parece ser bem melhor do que relataram outras empresas à agência Reuters em Havana, sob anonimato.
"O fato é que o governo tem suas prioridades, tem suas parcerias de longo prazo, e eles estão levando isso em consideração. Tenho escutado de algumas empresas locais que obviamente isso [a restrição de envios ao exterior] pode ter levado até o rompimento de algumas relações", conta Teixeira. A Souza Cruz diz que está disposta a resolver o problema recorrendo a financiamentos se preciso, "como parceiro verdadeiro de Cuba".
Caracas e verão
A seca de divisas atinge Cuba por todos os lados. E até o jornal oficial "Granma" publicou semanas atrás que a receita com petróleo da aliada-mor Venezuela caíra 50% neste ano.
Além de facilitar a compra de 100 mil barris/dia de petróleo por Cuba, Caracas é fonte de divisa ao pagar pelos serviços médicos e educacionais de milhares de cubanos no país. Para o professor Mesa-Lago, é razoável penar que Hugo Chávez, que enfrenta sua própria crise de receita em divisa, pode ter problemas para cumprir o acordado nas duas frentes.
Por enquanto, o governo não acena com reformas, como durante a crise dos 90, só com as restrições. Pior: segundo o jornal "El Nuevo Herald", o governo estuda adiar Congresso do Partido Comunista previsto para 2009. Raúl prometeu que as mudanças estruturais no sistema comunista seriam debatidas na reunião.
A população que forma filas para o transporte público em Havana --a melhora no setor, com a compra de novos ônibus, era visto como símbolo da recuperação--, se prepara para um verão de restrições. As altas temperaturas nas casas superlotadas da capital cubana somadas à ordem de economizar com ventiladores compõem cenário adverso para os apelos de "apertar os cintos" do governo.
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