Abshir Boyah, chefe-pirata somali, durante entrevista na cidade de Garoowe em 3 de maio. (Foto: The New York Times)
Abshir Boyah, um alto e notório chefe-pirata somali que admite ter sequestrado mais de 25 navios e ser um membro de um conselho secreto de piratas chamado “A Corporação”, disse estar pronto para fazer um acordo.
Enfrentando uma pressão naval cada vez maior nos mares e, agora, uma crescente crítica em terra firme, Boyah tem viajado entre anciãos e xeques religiosos cansados dos piratas e de seus vícios. Ele promete deixar o negócio bucaneiro caso certas exigências sejam cumpridas.
“Cara, esses islâmicos querem decepar minhas mãos”, resmungou ele sobre um prato de carne de camelo e espaguete. Os xeques pareciam tê-lo agitado mais que a frota de navios de guerra estrangeiros patrulhando a costa. “Talvez seja a hora de alguma mudança”, disse.
Pela primeira vez nesta região infestada de piratas, o sul da Somália, algumas das comunidades que prosperavam com os dólares da pirataria – suprindo esses afamados criminosos com abrigo, apoio, noivas, respeito e até mesmo ajuda governamental – agora tentam expulsá-los.
Milícias antipiratas estão se formando. Xeques e líderes governamentais embarcam numa campanha para excomungar os piratas. Os líderes locais ordenam a eles que saiam da cidade e pregam, em mesquitas, para que as mulheres não se casem com esses não-islâmicos, desonestos "burcad badeed" – expressão em somaliano que significa bandido do mar.
Existe ainda um novo sinal num estacionamento em Garoowe, a capital da região semi-autônoma de Puntlândia, que pode ser a única de seu tipo no mundo todo. As grossas letras vermelhas dizem: piratas não são permitidos.
Assim como a violência, a fome e o warlordismo (do termo em Inglês que designa os senhores da guerra) que engolfaram a Somália, a pirataria é uma consequência direta – e, segundo alguns somalis, inevitável – de uma sociedade degradada por 18 anos sem um efetivo governo central e cuja economia foi esmagada por uma guerra.
Porém, aqui em Garoowe, os piratas são cada vez mais vistos como manchas na cultura nômade devotadamente muçulmana. Eles são culpados por introduzir males da cidade grande como drogas, álcool, brigas nas ruas e Aids. Algumas semanas atrás, policiais de Puntland estouraram um armazém clandestino de bebidas e encontraram 327 garrafas de gin feito na Etiópia. Na Somália, o álcool é evitado. Um estoque de bebidas com esse volume é virtualmente impensável.
“Os piratas estão arruinando nossa sociedade”, disse Abdirahman Mohamed Mohamud, o novo presidente de Puntlândia. “Nós iremos esmagá-los”.
Nos últimos 18 meses, piratas somalis lucraram cerca de US$ 100 milhões com o resgate de navios sequestrados, de acordo com grupos marítimos internacionais. Será extremamente difícil para esses homens – e para os negócios locais sustentados por eles – ganhar esse montante de dinheiro fazendo qualquer outra coisa nesta problemática nação.
Ainda assim, os chefes piratas de Puntlândia estão prontos para desistir caso os xeques encontrem empregos para seus jovens subordinados. Eles ainda exigem que o governo os ajude a formar uma guarda costeira com o objetivo de proteger o litoral da Somália, de 3.000 quilômetros, da pescaria ilegal e de barcos jogando lixo. Essas são antigas reclamações, feitas por muitos somalis – incluindo aqueles que não correm pelas laterais de navios cargueiros munidos de AK-47 em punho.
É uma utopia, para não dizer pior, achar que o mundo aceitaria a costa da Somália sendo policiada por sequestradores reabilitados.
No mês passado, após um capitão de barco americano ser sequestrado por piratas somalis , nações contribuintes prometeram mais US$ 200 milhões para a Somália, parte do orçamento com o objetivo de combater a pirataria.
Imagem divulgada pelo ministério francês da Defesa mostra operação de captura de piratas somalis no Oceano Índico em 14 de abril. (Foto: Reuters)
Desde então, esquadras estrangeiras aumentaram suas patrulhas e prenderam dúzias de piratas. Boyah reconheceu que o negócio estava se tornando mais arriscado. Todavia, segundo ele, ainda existem muitos navios mercantes – e muito oceano.
“Lá fora é como caçar”, disse Boyah através de um intérprete. “Algumas vezes você pega um cervo, outras você pega um dik-dik”, um antílope anão comum na Somália.
Boyah, de 43 anos, nasceu em Eyl, um esconderijo pirata na costa. Ele conta que abandonou a escola na terceira série, se tornou um pescador, e começou a sequestrar depois que a pesca ilegal por barcos estrangeiros destruiu sua subsistência, em meados da década de 1990.
O último presidente de Puntlândia, Mohamud Muse Hirsi, era um ex-senhor da guerra amplamente suspeito de colaborar com piratas. Ele foi votado para fora do cargo em janeiro. O novo presidente, Abdirahman, é um tecnocrata que viveu na Austrália e retornou com muitos conselheiros de educação ocidental – e a ambição de se tornar o primeiro líder somali a fazer algo substancial a respeito da pirataria. Ele formou uma comissão antipirataria e chegou a divulgar um relatório de “Primeiros 100 Dias”.
Mesmo assim, funcionários do governo de Puntlândia pouco fazem a respeito dos reis piratas em sua região – relutantes, talvez, em provocar uma guerra com lordes do crime apoiados por centenas de pistoleiros. Quando questionados por que não estavam prendendo os piratas mais conhecidos, Abdirahman disse, “Rumores são uma coisa, mas precisamos de evidências.”
Realmente, é difícil ver para onde exatamente foram todos aqueles milhões de dólares, ao menos aqui em Garoowe. Existem algumas casas novas e bonitas, e alguns novos hotéis onde os piratas passam o tempo, incluindo um envolto por arame farpado, chamado “The Ladie’s Breasts” (Os Seios das Damas). Nada mais que isso.
Boyah, hoje morador de uma casa pequena e simples, explica: “Não se surpreenda quando eu disse que todo o dinheiro desapareceu. Quando alguém que nunca teve dinheiro de repente o consegue, ele simplesmente vai embora.”
O homem afirma que seus ganhos, estimados em diversos milhares de dólares, desapareceram num turbilhão de festas, casamentos, jóias, carros, e qat, a folha estimulante que os somalis mastigam como chiclete.
Foi consumido ainda pela extensa rede de parentes e membros das tribos. “Não é como três pessoas dividindo um milhão”, disse ele. “É mais como trezentas.”
Boyan acrescentou que ele também doa 15% de tudo para a caridade, especialmente a idosos e enfermos.
“Eu adoraria doar mais”, falou.
No geral, ele parece ser um homem numa busca genuína por redenção – ou um bom mentiroso.
“Sabemos que o que estamos fazendo é errado”, disse Boyah gravemente. “Estou pedindo perdão a Deus, a todo o mundo, a qualquer um.”
Então seu celular prateado da Nokia tocou mais uma vez. Ele não disse o que tinha de fazer, mas para ele era hora de ir.
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