Luiz Eduardo Rocha Paiva
A Estratégia Nacional de Defesa (END), que se propõe a modernizar nossa estrutura de defesa, causa apreensão no meio militar, particularmente por algumas inovações polêmicas. Entre acertos e equívocos, o saldo é uma incógnita, pois os últimos preocupam.
O Ministério da Defesa (MD), agora fortalecido, poderá acelerar a integração das Forças Armadas (FA) e implantar, em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos, iniciativas para atrair a participação de setores capazes de contribuir para fortalecer a defesa do Brasil. Há o firme propósito de retomar o desenvolvimento tecnológico e ressuscitar a indústria nacional de defesa com amparo em legislação a ser atualizada.
Onde couber, serão unificados os projetos das FA em pesquisa, desenvolvimento, produção e compra de material nos campos operacional, administrativo e científico-tecnológico. Idêntico foco integrador norteia a realização de parcerias nacionais e internacionais, buscando uma ampla e progressiva autonomia do País na detenção de tecnologia e produção de material bélico.
No entanto, é um grave engano deixar a política de compras de produtos de defesa com a secretaria criada para as aquisições, a ser chefiada por um civil, e não com o Estado-Maior Conjunto onde estão os profissionais do combate. Se as estruturas de comando e controle, a logística e as tropas das três Forças tiverem meios e procedimentos que lhes permitam operar em rede, como preconiza a END, a defesa nacional dará um salto de qualidade.
Para isso, os Planos de Equipamento e de Articulação em elaboração pelas FA precisam, efetivamente, ser coordenados pelo MD. A criação de estados-maiores conjuntos (interforças) nas áreas estratégicas é um passo importante na integração operacional para o combate.
No entanto, após o planejamento integrado nos níveis superiores, é normal as Forças atuarem de forma independente em um teatro de operações, sendo a participação de uma co-irmã realizada por meio de apoios diversos, muito importantes, mas que não implicam coordenações e planejamentos característicos das operações conjuntas.
Assim, os exercícios interforças não devem monopolizar os recursos do preparo em detrimento do adestramento singular. Há duas proposições importantes, mas de difícil implantação por falta de vontade política da liderança nacional, haja vista as últimas décadas.
Uma é o emprego das FA em coordenação com órgãos governamentais para controlar as ONGs, particularmente na Amazônia, de forma a não permitir que elas sirvam a interesses estrangeiros em prejuízo da soberania brasileira. A outra é que os projetos de modernização das FA sejam transformados em lei, a fim de assegurar-lhes a manutenção de recursos, pois não foi aceita a idéia de um percentual fixo do PIB para investimentos em defesa.
A Estratégia revela a intenção de ocupar com civis cargos de secretários destinados a militares no MD, sendo um deles, certamente, o de "política, estratégia e assuntos internacionais". A tendência é deixar as FA apenas com o Estado-Maior Conjunto. O ministério vai assumir o equivocado paradigma, reinante na liderança nacional, de que os militares devem tratar apenas das operações e deixar o nível estratégico superior para os civis.
O afastamento das FA do núcleo decisório do Estado foi um erro que agravou a vulnerabilidade na Amazônia e a indigência militar do País. Outro equívoco é a ingerência no sistema de ensino militar, referência nacional e internacional, se for guiada por preconceitos e não considerar a cultura organizacional, os valores e as necessidades específicas das Forças.
Já se avançou muito na interação dos cursos de altos estudos, onde excelentes programas preparam oficiais de estado-maior para as operações conjuntas e para o nível estratégico superior. Leigos desconhecem que a preparação real e efetiva continua, após os cursos, em jogos de guerra e exercícios práticos no terreno.
A Escola Superior de Guerra, do MD, pode formar militares e civis para cargos no ministério. Dois equívocos preocupantes, pois as FA têm o seu centro de gravidade no sistema de ensino, alicerce de sua elevada credibilidade, que prepara quadros de alto gabarito para o nível estratégico.
A ingerência do MD, órgão político, em processos administrativos internos das Forças, particularmente nos referentes ao pessoal, traz o risco de politização da caserna e de seus quadros com prejuízo da meritocracia, coesão, hierarquia e disciplina. O ministério deve ser entendido como um alto órgão de Estado e não de governo, portanto, não deveria ser permitido que seus quadros civis do alto escalão fossem filiados a partidos políticos.
Luiz Eduardo Rocha Paiva, General da Reserva, foi comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - 2004/2006
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