Concessionária responsável pela Fernão Dias adotou um tipo de pintura no asfalto que aumenta riscos de acidentes
Desde que assumiu, há pouco mais de um ano, estradas concedidas pelo governo federal, a empresa usa uma tinta preta para camuflar a sinalização antiga do pavimento -em vez de removê-la, como seria correto.
Os veículos, assim, passam em alta velocidade sobre uma superfície lisa (porque a tinta retira a rugosidade do asfalto) e pouco perceptível durante a noite (porque ela é escura) em diversos trechos rodoviários.
Especialistas dizem que, devido à baixa aderência e à baixa visibilidade do material, fica comprometida principalmente a estabilidade das motos.
Na Fernão Dias, próximo da divisa entre Minas Gerais e São Paulo, dois motociclistas que se acidentaram em dezembro registraram a ocorrência atribuindo a queda à faixa escorregadia e preta pintada no asfalto.
"Eu caí de repente, em plena reta. Só não me machuquei tanto porque consegui pular da moto", diz Luiz Artur Cane, 51, usuário da estrada, condutor de motos há mais de 30 anos.
"Com chuva ou à noite, é impossível ver a tinta no chão. Em cima dela, qualquer movimento pode ser fatal", afirma Fábio Rocha de Souza, 33, industrial cuja Suzuki teve perda total.
Nos últimos seis meses, a média foi de dois acidentes com motos por dia na Fernão Dias, onde esse tipo de veículo também paga pedágio (meia tarifa).
Sem autorização
A pintura adotada pela OHL fere as recomendações da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). O problema não está na tinta, mas na finalidade com que é usada.
O Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) também diz que a prática da concessionária não é autorizada pelas regras de sinalização e que, além de afetar a aderência, tem como "agravante" a possibilidade de confundir os condutores.
A ANTT (agência responsável por fiscalizar concessões federais) não se manifestou.
A OHL afirma que a prática de usar tinta preta para camuflar a sinalização antiga é "habitual" em rodovias do país.
"Isso tinha de ser banido. É completamente arriscado, uma gambiarra", avalia Alexandre Zum Winkel, engenheiro, técnico em sinalização de trânsito e formado perito do IC (Instituto de Criminalística).
"A superfície lisa é um ponto vulnerável na hora da frenagem", explica outro especialista, Frederico Rodrigues.
Pelas normas técnicas, a sinalização do asfalto pode ser removida usando métodos diversos, como fresagem (retirando camada do pavimento).
Às vezes esses procedimentos são ignorados, segundo os técnicos, porque é mais barato improvisar a tinta da cor do asfalto sobre a pintura antiga.
O manual do DER-SP (Departamento de Estradas de Rodagem, responsável por rodovias estaduais) é enfático ao reprovar a prática: "a sinalização horizontal a ser apagada, provisória ou definitiva, não deve, em qualquer circunstância, ser coberta com tinta preta".
A pintura da cor do pavimento é admitida apenas para fazer contraste (por exemplo, como borda de uma tinta branca sobre de concreto) ou, segundo uma norma da ABNT de 2005, "em vias locais ou onde não haja circulação de veículos sobre a demarcação recoberta".
O coordenador do comitê de tráfego da ABNT, Hélio Moreira, diz que "não precisa ser especialista" para verificar que a aplicação de tinta deixa o asfalto liso e que não é perceptível à noite.
"Como técnico, não posso concordar com esse uso [da tinta], embora, como fabricante, para mim, seja excelente", diz Moreira, que também é diretor da indústria Indutil.
Outro lado
A Autopista Fernão Dias (concessionária que é um dos braços do grupo espanhol OHL) informou que a pintura no asfalto com tinta preta é "de uso habitual em rodovias" no país.
A empresa nega haver norma federal proibindo a prática, mas diz que a sinalização "está sendo retirada devido ao processo de recapeamento" da rodovia, desde o ano passado, quando ela foi concedida à iniciativa privada.
Segundo nota da concessionária, a medida "já era usada na rodovia antes de a concessionária assumir a administração do trecho [que era gerido pelo governo federal]". A empresa afirma que "foi feita a pintura com tinta preta nos mesmos locais onde ela já havia sido usada antes e estava desgastada".
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres, responsável por fiscalizar as concessões de estradas federais) foi procurada pela Folha, mas não quis se manifestar sobre o assunto.
A Autopista Fernão Dias não concedeu entrevista. Em seu comunicado, a concessionária afirma que a tinta preta utilizada "está de acordo com a norma 13.699 da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]" e que "não tem nenhuma norma" no Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) que proíba a utilização da tinta.
Segundo a ABNT, a tinta pode estar de acordo com as normas técnicas do produto, mas a finalidade utilizada na Fernão Dias (para camuflar a sinalização anterior existente) desrespeita a norma 15.405, de 2005, que permite essa aplicação somente "em vias locais ou onde não haja circulação de veículos sobre a demarcação recoberta".
O Denatran, em nota, informou que a prática adotada pela OHL na rodovia "não é autorizada" e que a mesma proibição feita pelo Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (de não usar tinta preta para apagar a sinalização antiga) também consta do "Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito", só que com "palavras diferentes".
CET
A CET de São Paulo também vai na contramão das normas técnicas e chega a utilizar tinta preta para camuflar uma sinalização antiga do asfalto.
Foram identificados dois pontos da capital paulista com essa pintura improvisada, nas ruas Eng. Oscar Americano e Teodoro Sampaio, embora em trechos menores que os encontrados na Fernão Dias.
Essa prática é condenada por técnicos também para vias urbanas (onde a velocidade dos veículos é menor), mas alguns ressalvam que a situação é mais crítica em estradas.
Na Teodoro Sampaio, a tinta preta foi usada pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) na altura do número 619 para apagar a sinalização de um estacionamento. A CET diz que usa a tinta "em locais onde não há volume de tráfego significativo" ou em "intervenções de emergência".
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