Igreja Renascer não seguiu sugestão do IPT para revisar telhado

A Igreja Renascer em Cristo não seguiu a recomendação do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) de fazer revisões periódicas na estrutura do telhado que desabou no último domingo na região central de São Paulo, causando a morte de nove pessoas.

As revisões, de acordo com o IPT, eram fundamentais para garantir a segurança do teto. A Renascer diz ter feito as revisões, afirma que elas eram simples, mas não tem documentos para comprová-las. Revisões sem documentação técnica não têm valor legal.

A recomendação faz parte do relatório que o IPT elaborou em 15 de fevereiro de 2000, atestando que as recomendações que os engenheiros tinham feito para restaurar a estrutura do telhado da igreja haviam sido cumpridas. "Devido aos reforços introduzidos nas tesouras TR 01 a TR 14 a segurança está restabelecida nas condições atuais'", diz o texto. Tesoura é o jargão pelo qual é conhecida a estrutura triangular que sustenta as telhas.

Há, porém, uma ressalva na aprovação da reforma: "No entanto, esta segurança precisa ser verificada ao longo do tempo, inspecionando-se periodicamente, para detectar possíveis danos causados à estrutura de madeira por fadiga, desgaste físico, biodeterioração e eventual sobrecarga não prevista".

Segue o texto: "Portanto, desde que sejam realizadas as inspeções periódicas, pode-se concluir que a estrutura de madeira atende aos requisitos de segurança de acordo com os critérios estabelecidos na NBR 7190/97". NBR 7190/97 é a norma brasileira que trata de estruturas de madeira. Foi elaborada pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) em 1997.

A recomendação está nas conclusões do documento do IPT, num item que trata da análise estrutural do edifício.

A Renascer precisou alterar a estrutura do telhado porque havia vigas com cupim e a igreja queria adicionar ar-condicionado ao edifício. O prédio que a Renascer escolheu para a sua sede mundial foi construído em 1973 e abrigou um cinema.

O escritório contratado para o projeto estrutural, do engenheiro Carlos Freire, propôs que o ar-condicionado ficasse numa torre de metal para não sobrecarregar o telhado.

Os dutos que conduzem o ar para dentro do prédio, porém, foram instalados sob o telhado. Para isso, o IPT sugeriu que a igreja usasse estruturas de metal para reforçar as vigas de madeira, o que foi feito.

Vistoria técnica como a sugerida pelo IPT só tem valor legal se for documentada, segundo o engenheiro Marcos Monteiro, presidente da Abece (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural).

Esse tipo de relatório tem o nome de ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). Ele define quem são os responsáveis técnicos por uma obra ou revisão. "Sem documentação não dá para comprovar que houve revisão periódica", afirma Monteiro.

Outro lado

A assessoria da Renascer informou ontem, por meio de nota, que "todas as manutenções foram realizadas", o que pode ser comprovado por documento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas entregue à reportagem da Folha. O documento só recomenda as revisões.

Diz a nota da igreja: "O próprio IPT publicou nota esclarecendo o público e enumerando quais as recomendações necessárias para manter a segurança da obra. E nenhuma delas é complexa, difícil de cumprir. As recomendações são tranquilas, costumeiras e obviamente foram e vinham sendo cumpridas sempre da melhor forma. São vistorias simples, de limpeza, de não-sobrecarga etc. Foi numa dessas vistorias, justamente, que se verificou a necessidade de troca das telhas antigas por novas o que, aliás, comprova que a manutenção era feita. E sem essas vistorias não teria obtido as revalidações periódicas de seu alvará".

A Renascer afirma que não é irresponsável e nem colocaria fiéis em uma situação de risco evitável. "A propagação deste tipo de ideia é ofensiva e deve ser veementemente repelida", diz.

Renascer contratou empresa sem capacitação para reforma

A Igreja Renascer em Cristo contratou uma empresa sem registro no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) para executar a reforma no telhado de sua sede, no Cambuci (centro), que desabou no domingo à noite (18).

Além de não ter o registro no Crea --documento obrigatório por lei, que atesta se a empresa ou o profissional têm capacidade para realizar uma obra--, a Renascer promoveu a reforma sem autorização da prefeitura. Sem a licença, a reforma é considerada clandestina.

A princípio, dirigentes da igreja negavam a obra, dizendo que teria havido apenas a pintura da fachada, mas voltaram atrás um dia após o acidente.

A obra no telhado foi feita pela Etersul Coberturas entre agosto e novembro de 2008. A empresa diz ter trocado 1.600 telhas do templo sem a orientação de um engenheiro. Seu proprietário, Daniel dos Anjos, diz não ver necessidade de engenheiro para trocar telhas, apesar da exigência do Crea.

"Não precisa de engenheiro responsável apenas para substituir telhas. Quer dizer que se quebrar dez telhas na sua casa você vai chamar engenheiro?", afirmou, ao lado de advogados (a igreja está numa área construída de 2.637 m2; com lotação máxima de 1.837 pessoas).

A empresa ainda usou telhas de amianto, que é proibido no Estado por ser potencialmente cancerígeno. Alega que foi uma determinação da igreja. Para a Renascer, a responsabilidade pela obra é só da empresa.

O presidente do Crea-SP, José Tadeu da Silva, disse ontem que foram infringidas duas leis federais: a 5.194/66, que obriga o registro no Crea, e a 6.496/77, que determina que, tanto em contratos verbais como por escrito, seja elaborado o documento de responsabilidade técnica da obra no conselho.

Na opinião de Silva, uma somatória de problemas pode ocorrer quando uma obra como a da sede da Renascer é realizada sem o acompanhamento de um profissional habilitado.

Uma das possibilidades levantadas por ele é que a estrutura do teto tenha sido projetada para suportar o peso menor do que recebeu após a reforma.

Se houvesse um profissional habilitado presente no momento da troca das telhas, ele poderia avaliar se era necessário, por exemplo, aplicar reforços na estrutura ou optar por um tipo de telha mais leve.

Para o dono da Etersul, a troca das telhas nada tem a ver com o acidente. "Se não tivesse mexido [no telhado], cairia do mesmo jeito", disse ele.

Em 1999, a igreja apresentou defeitos no telhado e só foi liberada após laudo emitido no ano seguinte pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

Alvará sem vistoria

O alvará de funcionamento do prédio foi renovado pela Secretaria da Habitação em julho de 2008, mesmo com o telhado em situação precária, o que é confirmado pela Etersul.

A prefeitura afirma que a lei permite a renovação de alvará sem vistoria. À época, de acordo com a prefeitura, bastava que o proprietário assinasse um termo de responsabilidade. Desde agosto passado, o termo tem de ser assinado também por um engenheiro.

Os promotores Mabel Tucunduva e Ricardo Antonio Andreucci, porém, consideram necessária a vistoria para o alvará. "Isso teria evitado o acidente", diz o segundo.

Forro da Renascer começou a cair na quarta-feira

Quatro dias antes do acidente no templo da sede mundial da Igreja Renascer em Cristo, já havia indícios de que o telhado poderia cair. Parte do forro de gesso da estrutura já havia desabado na noite da última quarta-feira, durante um culto. Na ocasião, ninguém ficou gravemente ferido, mas o local onde os destroços caíram chegou a ser interditado para evitar acidentes mais graves.

Renascer e MP acertam plano de demolição de templo

A defesa da Igreja Renascer em Cristo e a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo acertaram nesta quarta-feira, 21, o plano de demolição do que restou da sede internacional no Cambuci, centro de São Paulo, cujo teto desabou no domingo. O desastre provocou a morte de 9 mulheres e deixou mais de 100 pessoas feridas.

A obra será executada pela empresa Diez, segundo a assessoria de imprensa da igreja. Para começá-la, a demolidora aguarda agora a aprovação da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da Polícia Técnica. Segundo o jornal SPTV, da TV Globo, a demolição será iniciada nesta sexta-feira, 23.

O advogado da igreja, Roberto Ribeiro, se reuniu por mais de três horas com a promotora Mabel Tucunduva Schiavo Prietto de Souza para decidir os detalhes da demolição. Esta quarta foi o prazo final dado pelo Ministério Público para que a Renascer apresentasse o plano para derrubar os muros do templo.

Com a queda do teto, os muros do local ficaram comprometidos com rachaduras e vigas quebradas. E para que os técnicos do Instituto de Criminalística (IC) façam a perícia no templo o local deve estar seguro, para que não ocorra nenhum outro acidente.

Por causa do risco que existe de os muros caírem, nove imóveis - oito casas e uma loja - nos arredores da sede mundial da igreja foram interditados pela Defesa Civil. Cerca de 15 pessoas estão desalojados - vivendo na casa de parentes ou num hotel - por conta disso.

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