CRISTIANE BARBIERI
"Lembra do Plano Collor, quando o sujeito 'queimava' o carro por um terço do preço porque tinha de comprar comida e seu dinheiro tinha sido confiscado? Pois estamos vivendo exatamente essa situação." É dessa maneira que Marcos Duarte, sócio da gestora de fundos Pólo Capital, explica a crise de crédito.
Sem dinheiro para cumprir compromissos básicos, os investidores estão "queimando" as ações a qualquer preço. Oportunidade para investidores como o bilionário americano Warren Buffett, que recentemente aconselhou a volta às Bolsas porque, na baixa, é a hora de comprar.
Na última semana, atendendo à legislação, várias empresas brasileiras vieram a público comunicar que investidores tinham adquirido mais do que 5% de seus papéis em circulação. A Abyara foi uma delas. Há pouco mais de um ano, as ações da imobiliária beiravam os R$ 40. Na sexta-feira, fecharam a R$ 1,58. A perda de valor dos papéis supera 96%.
Não à toa, alguns dias antes a Abyara anunciara que a Polo Capital tinha adquirido 6,24% de seus papéis. "Conseguimos ter esse percentual, de uma empresa que já chegou a valer R$ 2 bilhões, investindo apenas R$ 4 milhões", diz Duarte.
Como outros investidores, a Polo está aproveitando o momento de baixa não para investir em apenas uma empresa ou área, mas para fazer um portfólio variado.
"Os melhores investimentos, agora, não são títulos públicos, mas ativos reais", diz Duarte, que gerencia um fundo equivalente a US$ 1 bilhão. "O mundo não vai acabar, e muitas empresas estão sólidas, atuam em mercados promissores e têm bons fundamentos."
Mundo real
As ações da Gafisa, por exemplo, foram cotadas a R$ 18,50 na abertura de capital, em fevereiro de 2006. Naquele ano, a construtora fez lançamentos no valor de R$ 670 milhões. Na sexta-feira, elas valiam R$ 12, com desvalorização de 35% no período. Detalhe: a empresa prevê R$ 3,5 bilhões em lançamentos neste ano.
Acionista antigo da Gafisa, o bilionário americano Sam Zell voltou às compras. Hoje, seu fundo Equity International tem quase 19% dos papéis da construtora. No Brasil, Zell investe na empresa de shoppings BR Malls, na AGV Logística e na imobiliária Bracor.
"Os temas macro, para os setores nos quais investimos no Brasil, continuam em alta", afirma Thomas McDonald, estrategista-chefe da Equity International. "Há uma classe média emergente se fortalecendo, há maior oferta de crédito habitacional e há uma demanda grande por moradias. As empresas que têm boa gestão e caixa viverão um processo darwiniano e sobreviverão fortes depois da turbulência."
As perspectivas da Equity International para o país são tão positivas que o fundo de US$ 500 milhões está estudando fazer mais dois novos aportes no Brasil. De acordo com McDonald, o fundo estuda investir em duas empresas brasileiras: uma do setor financeiro e outra de infra-estrutura. Os negócios, no entanto, só deverão ser anunciados no próximo ano.
"A queda nos preços de mercado tem muita pressão externa e não está diretamente focada nos marcos das indústrias", diz McDonald. "É claro que isso afeta o mercado, mas, por mais que sofram com alguma retração da crise, as perspectivas de longo prazo são boas."
Apesar de estarem voltando sua artilharia para a construção civil, a forma como a seleção natural no setor será feita preocupa os investidores. Acionista da Tenda --que foi incorporada pela Gafisa apenas com a troca de ações, numa operação que gerou questionamentos do mercado--, a Polo diz acreditar numa consolidação da área que respeite os minoritários.
"Esperamos que nada seja tentado fora da lei", diz Duarte. "Temos viés pela boa governança corporativa e praticamos o ativismo societário reativo: se formos desrespeitados, vamos até as últimas conseqüências."
Apoio do governo
Para McDonald, o sucesso do plano de apoio à construção civil anunciado pelo governo na semana passada dependerá da escolha de boas empresas para serem suportadas.
Para Wilson Amaral, presidente da Gafisa, isso não deverá ser um grande problema. "Há quadros de muita competência e preparo no BNDES, por exemplo, tanto para dar crédito como para avaliar empresas."
O setor imobiliário, no entanto, não é o único que os investidores têm em mira. Além da construtora Tecnisa, o fundo GT Investimentos, por exemplo, tem comprado ações da Perdigão, da Medial Saúde, da Usiminas e da Positivo Informática, entre outros.
"Hoje, não temos um centavo em caixa", diz André Gordon, sócio da GTI. "Quem busca retorno de longo prazo tem de investir agora."
O GTI tinha vendido, quando o Ibovespa (índice de preços médios das ações mais negociadas na Bovespa) atingiu 73 mil pontos, ações da empresa de logística ALL, da operadora Net e da Energias do Brasil. "Recompramos essas ações por menos da metade do preço de venda", diz Gordon.
Segundo ele, uma das vantagens deste momento de incerteza é que, com a tendência de as empresas postergarem investimentos, seu caixa ficará mais líquido. Conseqüentemente, a distribuição de dividendos será maior.
Para Gordon, ao escolher os investimentos é preciso buscar empresas com boa governança, reconhecida pelo mercado.
"Poucos têm frieza para entender que nem tudo acabou", diz Gordon. "Mas há bons ativos em setores seguros, mas cíclicos e mesmo nos voláteis. Ao investir durante a crise, o retorno esperado é muito maior."
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