NY vê fim dos símbolos da era da fé cega no mercado livre.
Analistas tentam saber como o público vai encarar o 'fim da festa'.
Tim Arango e Julie Creswell Do New York Times
Harry Poulakakos relembrou alguns dos clientes que passaram pela porta desde que ele abriu seu lendário bar em Wall Street, o Harry's, há 36 anos.
Ivan Boesky uma vez deu uma festa de Natal aqui. Michael Milken trabalhava na 60 Broad. Tom Wolfe imortalizou o bar em "A Fogueira das Vaidades".
Poulakakos diz que ele até chegou a conhecer Henry M. Paulson Jr., o antigo CEO da Goldman Sachs e hoje secretário do Tesouro dos EUA.
Harry Poulakakos em seu restaurante, o Harry's Cafe, em Lower Manhattan, em outubro. (Foto: Josh Haner/The New York Times)
oulakakos, 70 anos, também teve seus altos e baixos em Wall Street, incluindo a quebra do mercado de ações em 1987, quando o Harry's lotou às 4 da tarde e ficou aberto a noite toda. Mas a reviravolta que ele está testemunhando hoje – muito de Wall Street evaporando em uma reorganização rápida e brutal – é, segundo ele, a pior em décadas.
"Espero que isso termine logo", disse. "Se Wall Street não está ativa, nada está ativo".
Apesar de Poulakakos não estar planejando desaparecer, o cenário cultural e a agitação social que antigamente rodeavam o Harry's certamente estão desaparecendo.
"É o começo do fim de uma era de paixão cega pelo mercado livre", disse o historiador Steve Fraser, autor de "Wall Street: America's Dream Palace". "É o fim da era na qual Wall Street detinha alto nível de poder e prestígio. E é o fim da era de demonstrações ostensivas de riqueza. Estamos começando um novo capítulo na história".
Festa de final de ano na Bolsa de Nova York nos tempos mais ingênuos de 1971. (Foto: The New York Times)
Sem dúvida, viver a vida boa e se gabar disso provavelmente ainda fará parte do cenário americano. Mas, com a aprovação no Congresso de um socorro financeiro aos bancos de US$ 700 bilhões, historiadores, economistas e teóricos também estão debatendo as formas pelas quais o falecimento de Wall Street se infiltrará na cultura popular.
É uma era que tem suas origens há mais de duas décadas, quando titãs de suspensório pela primeira vez se tornaram material para livros e filmes. É uma era onde jovens vorazes carregando laptops se tornaram milionários pontocom da noite para o dia. E é uma era que testemunhou o boom de crédito, quando donos de MBAs e matemáticos fizeram milhões comprando, vendendo e apostando em ações cada vez mais exóticas.
No geral, o último quarto de século redefiniu a noção de riqueza. Em 1982, o primeiro ano da lista dos 400 da Forbes, bastavam cerca de US$ 159 milhões para entrar na lista; este ano, o valor mínimo para conseguir entrar foi de US$ 1,3 bilhão.
O mundo financeiro obteve enormes e importantes avanços nesses anos – novas formas de avaliar riscos, mais oportunidades para empresas e indivíduos financiarem seus sonhos –, mas para o observador mediano a indústria parecia uma festa sem fim.
Ivan F. Boesky, um dos símbolos dos excessos de Wall Street, em foto de 1987. (Foto: Marilynn K. Yee/The New York Times)
Em 1989, as línguas se afiaram quando a comemoração dos 50 anos do financista Saul Steinberg teve a presença de modelos posando ao vivo como pinturas de grandes mestres da arte. Essa festança foi superada ano passado, quando Stephen A. Schwarzman, diretor da firma de private equity Blackstone, recebeu seus convidados em sua festa de 60 anos se gabando de gastos de US$ 5 milhões com homenagens em vídeo e com o cantor Rod Stewart.
"O dinheiro era grande nos anos de 1980, comparado com as décadas de 50, 60 e 70. Hoje, é impressionante", disse Oliver Stone, que dirigiu o filme de 1987 "Wall Street" e é filho de um corretor da bolsa. "Achava que os anos 80 seriam o fim de um ciclo. Achei que haveria um colapso. Mas não foi o que aconteceu."
Agora, com os empregos, fortunas e investimentos que os bancos perderam, um eixo de apoio cultural parece estar escorregando.
"Essa situação se parece muito, historicamente, com 1929 e as emoções que pairavam no ar nos meses e anos seguintes à quebra", disse Fraser. "Existe um sentimento de choque extraordinário e estarrecimento, depois um sentimento de raiva, indignação e revolta em relação aos centros financeiros.
Se existiu uma coisa que conseguiu acompanhar o ritmo de pessoas de Wall Street, eram os contracheques gigantes que eles embolsaram. Desde meados da década de 1980, os maiores empresários, banqueiros e administradores de fundos hedge e gurus de private equity têm enrolado em carretel milhões de dólares em anos perdidos e dezenas e centenas de milhões – alguns deles até fazendo bilhões – em tempos bons.
Por exemplo, Steven A. Cohen, administrador de fundos hedge bastante conhecido que lidera a SAC Capital Advisors, gastou mais de US$ 14 milhões em 1998 em sua mansão de 30 quartos em Greenwich, Connecticut. Depois, ele aumentou o lugar com uma quadra de basquete, uma piscina interna, uma área de patinação externa – com seu próprio Zamboni -, um cinema e peças da coleção de arte na qual ele gastou centenas de milhões de dólares nos últimos anos.
Então é pouco provável que estrelas dos fundos hedge como Cohen estejam indo em direção à fila do sopão.
Ainda assim, alguns deles inevitavelmente irão encolher.
"Provavelmente, o iate é o primeiro item a ir embora", disse Jonathan Beckett, em uma entrevista telefônica em Monte Carlo enquanto participava do Monaco Yacht Show anual mês passado. Beckett, CEO da Burgress, corretora de iates, disse que nos últimos oito anos houve poucas vendas no mercado.
Isso está começando a mudar, disse Beckett, que observou que alguns iates foram colocados à venda, com preços variando entre US$ 10 milhões e US$ 150 milhões.
Casas majestosas também estão à venda.
Joseph M. Gregory, presidente e COO do Lehman que foi substituído em junho, alguns meses antes de a firma entrar com pedido de falência, colocou à venda por US$ 32,5 milhões sua mansão de oito quartos à beira mar na região dos Hamptons.
Enquanto corretores afirmam que eles ainda esperam pela avalanche de vendas de bens caríssimos, eles afirmam que a reviravolta está presente na mente dos compradores.
Claro, existe outro indicador muito observado para a flutuação de Wall Street: a freqüência em alguns dos clubes de strip-tease mais caros da cidade.
Durante a época dourada do boom de Wall Street nos anos de 1990, Lincolns, Rolls-Royces e Bentleys eram freqüentemente vistos ao redor de lugares como o Scores. Dentro, segundo pessoas que iam a esses lugares na época, grupos de investidores costumavam gastar US$ 50 mil ou até US$ 100 mil em uma única noite.
Na "suíte presidencial" do Scores, com seu próprio sommelier que oferecia garrafas de Champanhe de US$ 3.200, os preços subiam rapidamente.
Apesar de as dançarinas não receberem mais presentes como os que já foram gastos com elas – digamos, um crédito de US$ 10 mil na Bloomingdale's ou um par de brincos de US$ 125 mil – os clubes parecem ainda estar cheios de investidores, banqueiros e empresários estrangeiros.
Em uma noite recente, no Rick's Cabaret em Nova York, homens de terno e gravata estavam a todo vapor. Ao redor das 10 da noite – cedo para um clube de strip – dez dos onze quartos privativos do segundo andar estavam reservados.
"Os homens nunca vão se cansar da experiência do strib club caro e sofisticado", disse Lonnie Hanover, porta-voz do Rick's Cabaret International em Nova York. O Rick's, que é negociado publicamente na Nasdaq e tem 19 clubes por todo o país, até tem planos de expansão.
"Quando a época fica difícil, não existe melhor forma de escapismo do que uma noite em um clube para homens", ele acrescentou.
A adoração da riqueza não é nova. Em meados e final do século 19, a Era Dourada – um termo que Mark Twain cunhou em 1873 – era feita de exibições igualmente ostensivas de riqueza e um abismo crescente entre ricos e pobres.
"Na Era Dourada, eles construíram palácios enormes, gigantes em Newport, onde moravam durante seis semanas em um ano", disse o historiador John Steele Gordon, cujo livro "An Empire of Wealth" retrata essa época. "Os últimos 25 anos realmente têm sido uma era dourada no sentido de que enormes fortunas foram construídas sem precedentes."
Como qualquer ícone cultural preocupado com seu legado, o mundo financeiro tem um guardião do seu passado. Em Wall Street, pode ser encontrado no Museu da História Financeira Americana, a apenas uma quadra da Bolsa de Valores de Nova York.
Ele mostra uma longa linha do tempo explicando os eventos do mercado mais importantes. O último evento retratado é o estouro da bolha das ponto-com no começo da década.
Robert E. Wright, historiador financeiro da Universidade de Nova York e curador do museu, disse que ainda há muitas incertezas sobre como os eventos recentes seriam lembrados no futuro.
"Se o sistema econômico entrar em colapso, desencadeando uma grande recessão, provavelmente será o fim de uma era", disse.
Protegendo suas apostas, o museu já começou a colecionar souvenirs da crise atual para colocar em exposição.
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