A crise financeira nos EUA, que, depois de pouco mais de um ano, ganhou fôlego para seguir adiante por mais tempo, provocou prejuízos de bilhões de dólares não apenas entre instituições financeiras americanas, mas também entre européias. Os primeiros sinais de recessão também já começam a se evidenciar na zona do euro.
Vale lembrar que um dos primeiros movimentos na dança da crise no ano passado foi a decisão do banco francês BNP Paribas, em agosto de 2007, ao congelar cerca de 2 bilhões de euros em fundos, citando as preocupações sobre o setor de crédito "subprime" (de maior risco) nos EUA --até então, um termo que não ocupava tanto espaço no vocabulário do mercado financeiro.
A EBF (Federação Européia de Bancos, em inglês) anunciou que o sistema bancário europeu tem solidez para passar pela crise financeira e garantir as economias de seus clientes.
Apesar da mensagem de otimismo, o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, recomendou prudência. Segundo ele, os bancos europeus devem "se preparar para o pior" cenário dentro do contexto de crise financeira.
Alguns bancos europeus já se depararam com tal situação. O suíço UBS, um dos primeiros e dos mais atingidos pelos efeitos da crise, teve no segundo trimestre deste ano um prejuízo de US$ 328,45 milhões, ligado ao setor de créditos "subprime". O banco também cortou 2.387 postos de trabalho no período.
O UBS, no entanto, tem até o momento se mantido distante do atual ciclo de problemas de outros bancos europeus. Os governos da Bélgica, França e de Luxemburgo, por exemplo, se uniram para evitar a quebra do banco franco-belga Dexia, com uma injeção de US$ 9,2 bilhões. O Dexia foi fundado em 1996 a partir da junção dos bancos France's Credit Local e Belgium's Credit Communal.
Outro banco afetado pela crise que teve de ser assumido pelo governo foi o britânico Bradford & Bingley (B&B), uma das grandes operadoras de hipotecas do país. A carteira de hipotecas do B&B está estimada em US$ 100 bilhões.
O grupo bancário e de seguros belgo-holandês Fortis também se viu em meio a problemas causados perla crise. As ações do banco já caíram mais de 70% neste ano. Autoridades financeiras da Holanda, Bélgica e Luxemburgo anunciaram a nacionalização de parte do grupo, colocando cerca de US$ 18 bilhões para evitar o colapso da instituição.
Na Alemanha, o banco Hypo Real Estate fez um acordo para obter um empréstimo de um consórcio de bancos alemães para aliviar sua difícil situação financeira --não foram revelados valores, mas as estimativas são de um aporte de US$ 51 bilhões. O Hypo é um grande tomador de empréstimos no mercado financeiro e foi fortemente afetado pela crise global.
Já o governo da Irlanda teve de intervir também, garantindo os depósitos nos seis principais bancos do país --Allied Irish Bank Ireland; Bank of Ireland; Anglo Irish Bank; Irish Life & Permanent; Irish Nationwide Building Society; e o Educational Building Society-- para "salvaguardar o sistema financeiro irlandês", disse o ministro da Economia, Brian Lenihan.
Todas essas mudanças no setor financeiro são um dos lados da crise; o outro são os efeitos sobre a economia. A paralisação nos mercados mundiais de crédito tem refletido na vida real.
O sinal de maior peso até o momento de que na Europa a crise financeira já contamina a economia foi o PIB (Produto Interno Bruto) da Irlanda no segundo trimestre, que teve uma contração de 0,5% no período, depois de uma contração de 0,3% no primeiro. O país se tornou assim o primeiro da zona do euro a entrar em recessão. Segundo o governo, fatores como investimentos de capital, gastos dos consumidores e atividade de construção tiveram queda, derrubando a economia.
Também no mercado de trabalho a economia já se ressente da crise financeira: no trimestre passado, o número de postos de trabalho na zona do euro cresceu apenas 0,2% ritmo mais lento desde 2006. Os dados mais recentes sobre a produção industrial na região, referentes a julho, mostram uma queda de 1,7%; além disso, o dado de junho foi revisado para baixo --queda de 0,2% sobre maio e de 0,8% sobre junho do ano passado (as divulgações anteriores eram de estabilidade e queda de 0,5%, respectivamente).
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) previu no início deste mês um crescimento de 1,3% para a zona do euro neste ano, contra 1,7% na projeção anterior. A economia da região se contraiu em 0,2% no segundo trimestre de 2008, em comparação aos primeiros três meses do ano.
Fora da zona do euro, a organização prevê contrações de 0,3% e 0,4% nos dois últimos trimestres do ano para a economia do Reino Unido --ou seja, mais um cenário de recessão (tecnicamente, uma recessão acontece quando o PIB se contrai durante dois trimestres consecutivos).
Pouco disposto a ver a crise financeira se transformar em econômica e derrubar mais economias européias, o Ecofin --grupo que reúne os ministros de Finanças da UE (União Européia)-- afirmou neste mês que o combate à crise deve ser feito com instrumentos já conhecidos, como rigor orçamentário e reformas estruturais.
Conscientes de que a origem do problema está nos mercados financeiros, os ministros insistiram na importância de que recuperem um "funcionamento normalizado". Além disso, o grupo pediu ao BEI (Banco Europeu de Investimentos) que reforce o apoio financeiro às pequenas e médias empresas.
A chanceler alemã, Angela Merkel, foi mais direta e pediu que o governo americano aprove o programa de ajuda financeira logo. "O governo alemão espera que esse pacote de salvamento seja aprovado ainda esta semana", disse.
O porta-voz da Comissão Européia, Johannes Laitenberger, também quer ver mais ação por parte dos EUA a fim de controlar a crise: "Os Estados Unidos devem assumir suas responsabilidades nesta situação, devem mostrar sua capacidade de liderança para o bem de suas próprias empresas e pelo bem do mundo", afirmou.
Menos gentil, o comissário do Comércio da UE, Peter Mandelson, afirmou que os políticos americanos "perderam a cabeça" ao rejeitar o plano de resgate do setor financeiro e que espera que as autoridades européias sejam capazes de "evitar o tipo de irresponsabilidade e de parcialidade que vimos em Washington".
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